“A carne das mulheres sempre ocupou um lugar de destaque nos meus sonhos.” Assim começava um romance de Alain Robbe-Grillet, escritor e roteirista francês que faleceu há poucos dias.  Alguns saites na Web creditam a frase ao livro “La Maison de Rendez-Vous”.  Na minha memória, era a frase de abertura de “Projeto para uma Revolução em Nova York”, e como não tenho mais nenhum dos dois livros comigo, prefiro acreditar no Google.  Pouco importa.  ARG foi talvez o melhor representante de um estilo tipicamente francês que poderíamos chamar de “erotismo cerebral”.  Segundo alguns autores, Colin Wilson entre eles, o sexo é uma realidade mais mental do que física, assim como era a música para Bach.  O mundo físico é simplesmente o meio através do qual aquelas complexas harmonias mentais se manifestam. 


Nos anos 1970, Robbe-Grillet era um deus-pequenino das vanguardas literárias, graças, em grande parte, ao fato de ser ele o escritor de “O Ano Passado em Marienbad”, um dos melhores filmes do cinema francês e um dos filmes mais enigmáticos e belos de todos os tempos.  ARG teve vários romances publicados no Brasil. “Encontro em Hong-Kong” (“La Maison de Rendez-Vous”) tem nas suas páginas finais uma explosão da Realidade em um delta de possibilidades divergentes e simultâneas, narrando, no confronto entre os personagens, tudo que poderia ter acontecido entre eles – Fulano arromba a porta, toca a campainha, bate à porta, Sicrano vem abrir, Beltrano vem abrir, o porteiro vem abrir, eles brigam, eles fogem...  Todos os desfechos possíveis são entrelaçados num turbilhão narrativo de tirar o fôlego. 


O livro que trago ainda comigo (o mesmíssimo exemplar) desde 1970 é “Por um novo romance”, uma coletânea de artigos em que ARG teoriza o Nouveau Roman francês, critica ferozmente o marxismo, ironiza a maior parte dos movimentos literários,  e prescreve (com argumentos respeitáveis) a chamada estética da descrição, ou o romance-olho, ou a narrativa visual, em que um observador descreve com minúcias, sem se envolver, um ambiente e o que ocorre nesse ambiente.  Um dos primeiros livros de ARG intitulava-se “Le Voyeur”, e toda sua obra foi uma espécie de voyeurismo literário, um mundo absorvido através do olho.  Não um olho contemplativo, mas um olho distanciado, frio e implacável, despido de qualquer emoção.  A literatura de Robbe-Grillet era o que uma câmara de filmar escreveria, se soubesse escrever.


Isto lhe deu a paradoxal condição – tão comum nas vanguardas – de ser um teórico brilhante e autor de uma obra que poucos suportam ler.  Suas idéias são mais interessantes do que sua literatura.  Depois da colaboração com Resnais em “Marienbad”, Robbe-Grillet dirigiu vários filmes onde se misturam ambientes ricos e sofisticados, belas mulheres nuas, tramas misteriosas e situações inexplicáveis, crimes, divagações metafísicas.  Morto aos 85 anos, ARG nunca foi totalmente absorvido pelo “establishment” literário da França.