Ainda o poema

Rogel Samuel

Devido ao interesse e pedido de uma leitora e amiga volto ao poema-enigma de Márcia Sanchez Luz, pois muito mais haveria que descobrir no seu mistério, e estas minhas crônicas diárias são por natureza muito curtas e eu sou um crítico de muito pouco alcance. Pois: o que significa que a ferida que nasce não seja no sujeito, mas na lua escondida, na fria e escondida lua negra e invisível? Na lua delirante rebenta uma ferida escondida, cuja dor a lua desintegra e pacifica e a transforma naquela belíssima “chuva de gaivotas”. Nesta primeira estrofe a dor é objetiva, apesar de dizer “amo demais”, é objetivada, toma existência no objeto lua fora do sujeito, mas se concebe no seu interior, portanto se faz quase épico do que lírico, é emoção objetivada. E é por isso que se sente logo de saída uma atmosfera camoniana. A segunda estrofe não, faz ver o sujeito que sofre. Sofre com a flor que viu nascer – do amor -, mas sofrer aqui com o sentido de admitir, permitir, tolerar, consentir, experimentar, não apenas padecer. Mesmo que “grota” significa depressão sombria e úmida, o sujeito nela não se esconde, mas se abre e não combate, não se fecha ao que atrai, ama e gera descompasso. Lua negra é lua uterina que, fecundada, explode numa chuva de gaivotas.


Amo demais que até ferida brota
na cálida, escondida lua negra
dos meus delírios (dor que desintegra
calma desnuda em chuva de gaivota).

Os olhos choram mares, geram grotas,
fabricam densa nuvem que se integra
ao corpo equivocado pela entrega
sofrida num adeus desfeito em gotas.

Amo demais, eu sei, mas o que faço
se de outro jeito não conheço o amor?
A minha sina é nunca combater

o que me atrai e gera descompasso.
Se por um lado existe o dissabor,
tenho da vida a flor que vi nascer.