ELMAR CARVALHO

 

Em meu depoimento no Pro Campus, recordando as minhas antigas leituras de menino, falei que alguns dos livros da biblioteca de meu pai estavam incompletos. É que, quando eu tinha de dois para três anos de vida, ao brincar com esses livros, talvez folheando aleatoriamente suas folhas, sem saber decifrar ainda o código da escrita, e sem imaginar o prazer que mais adiante elas me dariam, no meu início de leitor inveterado, rasguei algumas dessas belas páginas, sob o olhar indulgente e divertido de minha avó paterna.

 

No afã e no prazer da leitura, ficava triste e frustado, quando perdia parte do desenrolar da narrativa, por causa das folhas perdidas, que eu mesmo rasgara nos meus tempos de infante. Um desses romances foi o Mártir do Gólgota, sobre o qual já me referi neste Diário, e um compêndio sobre a Literatura Brasileira, que continha história e crítica literária, com a transcrição exemplificativa de trechos dos poemas. Esta última obra foi decisiva para que eu, desde bem jovem, passasse a distinguir a boa da má literatura, a separar o joio do trigo, como nos adverte a parábola evangélica.

 

Nessa época eu lia de tudo, mormente poemas e ficção. Lia e relia as antologias contidas nos compêndios de gramática e literatura. Li muitas revistas, inclusive gibis e fotonovelas, e até mesmo romances condensados ou transformados em histórias em quadrinhos, à falta momentânea de obras literárias. Encantava-me a beleza de Michela Roc e Paola Pitti, atrizes italianas, que interpretavam as heroínas dos lacrimejantes folhetins fotográficos. Ao ler a biografia dos grandes poetas e escritores, e ao lhes ver o retrato estampado nas seletas, almejei me tornar um poeta de valor, e não simplesmente um poeta qualquer. Se consegui ou não o meu objetivo é uma outra questão, que não me cabe responder.

 

Foi nessa época que li todo o Novo Testamento, numa edição que tinha notas históricas e de exegese, que me adestraram a interpretar sobretudo as parábolas de Jesus. Certa vez, já estudando na cidade, fui à pregação de um sacerdote católico, numa casa próxima. O padre perguntou aos assistentes a interpretação de certa parábola. Adestrado pelas notas a que me referi, dissequei a alegoria exemplar sem titubeios e vacilos, o que causou enorme admiração pela minha pouca idade.

 

Vendo meu pai o meu grande interesse pelos livros, e já começando a esboçar alguns textos, trouxe-me ele de presente, certo dia, um dicionário de bolso, das Edições de Ouro. Foi grande o meu deslumbramento. Em meu incontido entusiasmo, comecei a ler o dicionário, página por página, verbete após verbete. Meu pai, vendo essa minha dedicação, explicou-me que dicionário não era para ser lido dessa maneira, mas apenas para ser consultado, quando eu tivesse dúvida sobre o significado de um determinado vocábulo. Cedo percebi, que, pelo contexto da leitura, muitas palavras desconhecidas poderiam ter o seu significado extraído da própria interpretação do texto.

 

Não pude deixar de explicar aos acadêmicos da AJULE que a literatura era a mais inglória das artes; que o renome através dela só vem tardiamente, quando vem, após muito esforço e dedicação; que se desejassem dinheiro e Glória, deveriam buscar a música (ainda que fosse a música medíocre da geração Teló) ou o futebol, ou mesmo a política, mesmo a de Demóstenes e outros demos demoníacos. Também lhes adverti que usassem com afinco a caneta vermelha, a borracha, a cesta de lixo e a tecla delete, conforme seu instrumento de escrever, porquanto muito do que escrevemos são gorduras e celulites, que apenas engordam o texto, sem lhes dar a contrapartida da beleza.

 

Aproveitei para fazer, como venho fazendo há muitos anos, um alerta sobre as ciladas das drogas. E disse que os colégios, públicos e privados, muito poderiam fazer, preventivamente, para evitar que o jovem caia no mundo dos entorpecentes, através de palestras e aulas a respeito desse mal que assola as famílias e a sociedade, bem como promovendo o esporte, a arte e a cultura, através de campeonatos intercolegiais ou interclasses, gincanas culturais, certames de declamação, concursos literários e musicais.

 

Expliquei-lhes que outrora havia jornais manuscritos, murais e impressos em mimeógrafos, ou nas trabalhosas e antiquadas imprensas tipográficas, em que os textos eram compostos tipo a tipo no componer, pelo “compositor” nada musical. Eu mesmo fui colaborador de alguns desses jornais, entre os quais referi o A Luta, o Folha do Litoral, o Norte do Piauí, o Inovação, que a Régia, coordenadora da Academia Juvenil, bem conhecera em Parnaíba.

 

Defendi a ideia de que os colégios poderiam criar blogs e sites culturais, para explorar a criatividade artística dos jovens estudantes, que neles poderiam publicar seus poemas, crônicas, contos e ilustrações, desenhos ou pinturas, e até mesmo pequenos filmes e videoclipes. Poderiam promover a encenação de pequenas peças teatrais ou produzir performances com a utilização de poemas e exposição de artes plásticas de seus alunos.

 

Enfim, mediante essas atividades esportivas, artísticas e culturais, a que fiz referência, os educandários poderiam contribuir para afastar a juventude dos narcóticos, dando aos jovens um maior e melhor sentido da vida, desenvolvendo ou aumentando a autoestima deles, e, quem sabe, possibilitando o surgimento de novos e grandes artistas. As quadras já existem, os auditórios já existem, os professores já existem. O que falta, pois?