AINDA EM TORNO DAS MINHAS MEMÓRIAS: ALGUNS ACRÉSCIMOS
Por Cunha e Silva Filho Em: 29/04/2021, às 10H40
AINDA EM TORNO DAS MINHAS MEMÓRIAS : ALGUNS ACRÉSCIMOS
CUNHA E SILVA FILHO
(Membro Efetivo da Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL)
O meu breve artigo publicado em jornal de Teresina, de título “O grotesco na publicidade,” escrito aos 29 anos, quando já estava no Rio de Janeiro, tornou-se, graças ao seu comentário no Facebook, Dr. Benhur Cavalcanti, mais do que um mero comentário, mas um grande artigo de sua lavra, meu dileto amigo.
V. devia, há muito tempo, ser um brilhante jornalista. Já lhe disse isso. Mas, ainda é tempo. Lembre-se do meu exemplo paradigmático: Estudei na UFRJ, área de Letras, 17 anos contando com Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado.
O tempo do transcurso para obter os títulos de Bacharel e Licenciatura, modalidade Português-Inglês - um longo período da graduação (sete anos para concluí-la, em vez de quatro ou, no máximo, cinco anos, como seria o normal, i.e., para a obtenção do diploma de Bacharel em Letras (Português-Inglês) e o de Licenciatura em Letras, ou seja, mais um ano de estudos no que se denominava Complementação Pedagógica, subdividido em aulas de didática, aulas dadas pelos professores a seus alunos e assistidas pelos licenciandos
Podia escolher dar uma aula de português ou inglês. Optei por inglês e me saí muito bem apenas com algumas recomendações, aliás, bem pertinentes da professora-regente, que era muito rigorosa e não dava mole ao licenciando, sobre algumas falhas na minha exposição em inglês de incorreções de sintaxe inglesa, sobretudo de construções nas quais deveria ser usado um Present Perfect Tense e não o Past Tense – tipo de erro muito usual em falantes da língua portuguesa.assim como de elogios à minha pronúncia
Essa segunda parte era feita no Colégio de Aplicação da UFRJ. A primeira parte funcionava na Faculdade da Educação da UFRJ. No meu tempo, ficava no bairro da Urca, com aulas de fundamentos filosóficos da educação, fundamentos sociológicos da educação e estrutura e funcionamento do ensino.
Eu era um moço determinado, com o objetivo obstinado de quem visa a um sonho finalmente concretizado. Por razões de sobrevivência, que não vêm ao caso elucidar, o meu curso de graduação ficou prolongado.
A Faculdade de Letras da UFRJ pertencia aos diversos cursos superiores que constituíam a famosa Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI) da Universidade do Brasil destinados a formar professores para o exercício do magistério secundário, hoje ensino fundamental da sexta série à nona séries, e ensino médio(antigo clássico, científico e técnico.)
O curso de Letras e de outras áreas funcionava no prédio onde era a ex-Embaixada italiana (Casa d'Italia), na Avenida Antônio Carlos, Centro do Rio. Quando ingressei no curso de Letras, em 1966, ele ainda funcionava lá e tinha um Anexo, bem perto, na Av. Franklin Roosevelt, um antigo prédio de um Tribunal Eleitoral que, depois, fora demolido para dar lugar ao espigão que pertence à Academia Brasileira de Letras, junto do antigo prédio chamado "Petitt Trianon" ou ainda conhecida como "Casa de Machado de Assis".
No Anexo, os nossos professores também davam aulas, dado que, no velho prédio da FNFi, não havia suficiente número de salas de aula. Inclusive minha turma e eu ali tivemos aulas de algumas disciplinas do currículo com professores famosos, como, entre outros, J. Mattoso Câmara Jr. (1905-1968), o seu competente assistente, professor Carlos Eduardo Falcão Uchôa, muito didático, com aulas agradáveis e claras sobre assuntos complexos como a disciplina linguística. Hoje, está aposentado. Terminou sua bem sucedida docência do ensino superior como professor emérito de linguística da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Outros professores, no caso, professoras, da parte de língua inglesa, foram Bernadinha Pinheiros que se tornou, mais tarde, grande e conceituada tradutora de James Joyce (1882-1941), Aíla Gomes (falecida) que era a catedrática de língua e literatura inglesa. Foi uma estudiosa e tradutora de William, Shakespeare (1564-1616)), Klara Wirz, segundo me informaram, já faleceu também e nem sei em que data. Lamentável saber muito tempo depois do seu passamento. Grande conhecedora da língua de Shakespeare. A professora Klara Wirz lecionou para a minha turma durante três semestres.
Uma veza professora Klara Wirz confessou a uma colega minha de turma que havia sido convidada a lecionar literatura inglesa ou americana. Não sei ao certo. Conquanto tenha aceitado o encargo, afirmou, no entanto, que não era o ensino de literatura de língua inglesa e sim o ensino de gramática, , principalmente de versão para o inglês. campo de estudos no qual fora uma notável especialista.
Lecionava versão para o inglês até ao nível adiantado Que eu saiba, ela nunca publicou em livros suas excelentes Apostilas impressas pela própria Faculdade de Letras da UFRJ. Eu ainda as tenho comigo guardadas há tantos anos. Na primeira capa se lê:
U F R J
FACULDADE DE LETRAS
CURSO DE PORTUGUÊS-INGLÊS
EXEERCISES FOR TRANLATION INTO ENGLISH
Organized by KLARA WIRZ
Rio de Janeiro
SERVIÇO DE DOOCUMENTAÇÃO E INFORRMAÇÃO
SEÇÃO DE REPOGRAFIA
1971
As Apostilas datam dos anos de 1971(a da capa acima-mencionada), 1972 (sem capa) e 1973 (também sem capa). Elas estarão sempre numa das prateleiras da minha biblioteca a que que dei o nome de “Biblioteca “Prof. CUNHA E SILVA”(1905-1990) - lugar especial e o meu recolhimento ou autoexílio entre os meus encantadores e fiéis amigos do peito. Livros velhíssimos, alguns do tempo do Segundo Império de Sua Majestade D. Pedro II
Livros novos e novíssimos, seja o que for, todos são bem-vindos nesse espaço que ultrapassa o mero objeto livro e penetra nos labirintos do universo constelado de metáforas da vida e dos homens. Livros, enfim, .consoladores que me instigam ao ato da escrita (Jose Guilherme Merquior detestava a palavra “escritura,” calcada no francês écriture ) e a ler alternada e simultaneamente livros apreciados, analisados, degustados e amado..
Se a professora Klara houvesse publicado em editora as suas magnificas Apostilas e com a chave dos exercícios em separado ou mesmo no corpo do livros ou livros, como serviriam a tantos alunos que, como eu, sempre me considere, na minha intimidade de estudos e pesquisas, um self-taught learner e, na vida, um self-made man.
. Vale recordar um fato que, ocorreu comigo: quando aluno da professora Regina Pinto, já no prédio da ex-Exposição portuguesa na Avenida Chile, fui até à sala onde acabava de dar uma aula. Pedi-lhe, por gentileza, que me sugerisse uma melhor tradução ao vernáculo para uma expressão meio complicada, porquanto ela me estava dando dor de cabeça, uma vez que não conseguia um bom equivalente no vernáculo..
Tal circunstância se deveu ao fato de que estava traduzindo algumas breves obras em inglês de vulgarização no campo da psicologia. Arranjara esse bico com uma pessoa que conheci no restaurante dos alunos da FNFI, logo no início curso.
Foi amizade à primeira vista. Logo se me tornara amigo. Era um escritor paraense chamado Valmir Adamor Silva, residente no Rio de Janeiro. Pessoa honesta, culta, solidária. Vendo que era forte em inglês, esse recém-conhecido e, logo depois, amigo, me perguntou se estava interessado em ganhar uns trocados fazendo traduções.
Respondi-lhe sem titubear: "Mas claro, Valmir, que sim. Preciso muito desse bico. Estou casado recentemente. \Por isso, aceito e quero começar atarefa o mais cedo possível,”concluí a conversa e me despedi dele.
O curioso foi que o Adamor nunca me mostrara as edições das obras traduzidas. Sei apenas que se incumbia de fazer as revisões e adaptações das traduções. Doutra parte, achava meio estranho que o meu nome, o nome da editora e os nomes dos autores das obras traduzidas nunca me foram mostrados.
Teria sido muito bom para melhorar o meu curricum vitae. Contudo - enfatizo - jamais me mostrara uma só publicação das traduções. Quanto ao pagamento pelas traduções, Vilmar era corretíssimo, pontualíssimo nos dias combinados para o pagamento de cada livro.
Ele seria o intermediário do contrato apenas apalavrado entre mim e o editor que publicava os livros. Estes eram destinados a fazer parte de uma coleção, da qual era coordenado de temática direcionada à área da psicologia, conforme me referi antes.
Certa vez, Valmir, não me encontrando, durante uma semana na Faculdade de Letras por um motivo do qual nem me lembro mais, conseguira o antigo endereço do meu tio em Oswaldo Cruz, com amigos meus da CESB (sigla para a Casa do Estudante Secundário do Brasil) situada na rua Senador Pompeu, Centro do Rio de Janeiro, pertinho do Palácio Duque de Caxias e do antigo prédio da Central do Brasil, com o seu grande relógio funcionando até hoje, avistado de longe como se fora o célebre Big Ben londrino. Bendita CESB! Situada num velho e carcomido prédio de dois andares que dava para os fundos do vetusto e suntuoso Palácio do Itamaraty, ex-Palácio do Ministério das Relações. Exteriores.
Valmir foi encontrar o meu antigo endereço em Oswaldo Cruz, na Travessa Santa Luzia - ruazinha pequena do bairro onde sofridamente morei durante dois meses com o tio Zequinha, irmão de minha mãe que residia, desde adolescente, na Cidade Maravilhosa de “encantos mil.”
A pessoa que o atendeu, lhe perguntou o que ele desejava. Valmir falou o meu nome. Ela, por seu turno, lhe respondeu: "Ele não mora mais aqui não". Aproveitando-se do ensejo, seguramente para bisbilhotar, indagou:
"É alguma dívida do sobrinho do meu marido" ? No caso, o meu tio Zequinha Setúbal, já falecido, na casa de quem morei os mencionados dois meses.), "Ele tem alguma dívida com o senhor? Vilmar, secamente, lhe retrucou: “Muito ao contrário, senhora . Vim aqui foi pagar-lhe por traduções que tem feito pra mim.” Valmir muito educado, apenas despediu-se e saiu.
O aludido relógio da Central serve também como ponto de referência ou marco de quem vive no Rio, ou de um visitante ou turista de outros estados do pais ou do exterior. Bem perto dele havia a referida CESB no prédio ainda hoje sobrevivendo como construção, na qual internamente ainda parece ressoar aos meus ouvidos de hoje gratas recordações de um jovem revolvendo, proustianamente, o temps perdu ou retrouvé da memória afetiva ou mesmo, quem sabe, escutando as vozes álacres de jovens estudantes cheios de sonhos, idealismos e de expectativas – aquele grupo de novos residentes da minha feliz moradia que me abrigou com todo o carinho nos anos de 1964 a 1966.
Jovens distantes de uma época tumultuada pelos desdobramentos políticos acirrados pelos partidários da esquerda. Jovens companheiros mortos por um ideal que tardaria a ser alcançado no pais com a volta da democracia ao poder conquistado pelo voto popular após uma fase discricionária exigindo da contemporaneidade com aquele slogan do “Nunca Mais,” lembrando, outrossim, os versos assombrosos e fantasmagóricos “Never more” do poema “The Raven” ( “O Corvo”), do poeta, contista e critico literário americano Edgar Allan Poe (1809-1849).
Enfim, tempos negros e sombrios - espaço de tempo bicudos nos bastidores guerniquianos do país com visões de botas e baionetas, à procura de subverters, empunhando armas de fogo e provocando terror e medo nas ruas adjacentes do Centro do Rio e diante do Cristo Redentor de braços abertos, nublado ou com a luminosidade de céu brigadeiro, visto na distância dos bairros suburbanos da Zona Norte e dos bairros cicumvizinhos. Por exemplo, caminhando por Botafogro e olhando para o alto, pela primeira vez, o avistei, em estado de encantamento, de beleza apoteótica e fascinante, de dia, e feérica à noite, quando iluminada a imagem inesqucível.
Evidentemente, um momento de epifania ao me deparar,com a magnitude do esplendor e a leveza diante da estátua do Cristo Redentor abençoando ad eternitatem visitantes nacionais e estrangeiros. Esplêndida imagem-símbolo da metrópole de São Sebastião, padroeiro dessa cidade, coisa que tão-somente havia visto nos cinemas de Teresina, nos cartões postais, ou ainda em fotografias. Uma emoção indescritível para o migrante nordestino recém-chegado. Dependendo da posição ou perspectiva de quem, olhando para o alto do Corcovado a partir da distância da altura da Avenida Presidente Vargas ou do final da aristocrática Avenida Rio Branco - coração do Centro da urbe carioca, a visão da estátua é uma deleite para qualquer flâneur
Chegara eu ao Rio de Janeiro em avião da VASP, que aterrisou no Aeroporto Santos Dumont. Não havia niguém me esperando. Tive que recorrer ao préstimos do primo Wellingto chegara por volta das dez horas da noite.Mais detalhes sobe essa passafgem, narro no meu livro Apenas memórias.
Bendita CESB! Na realidade, era um bom exemplo de "república de estudantes," na qual noventa por cento eram secundaristas, sendo que, uns dois já estavam cursando o primeiro ano de uma universidade pública e, pelo regulamento da CESB, logo deveriam deixar a augusta e querida CESB - ambiente sadio e acolhedor, cujo diretor, durante o meu tempo lá, foi o Dirceu Regis Ribeiro, jovem vindo da Bahia que pretendia, se a memória não me falha, cursar filosofia. Tornar-se-ia logo um militante contra a ditadura civil-militar. Grande e solidário amigo o querido Dirceu!
Foi para mim esse estudante baiano, muito politizado, orador eloquente, um entusiasta empedernido da poesia condoreira de Castro Alves (1847-1871) Já no começo do regime civil-militar, Dirceu, um ano depois, escreveu um livro de título O canto do Calabouço, que não cheguei a ler, pois ele já havia desaparecido da minha vista, provavelmente levado pelos ideais esquerdistas de livrar o pais do arbítrio e da censura à Imprensa, logo após o AI-5. - decreto hiper-autoritário com a finalidade de endurecimento ainda maior do governo federal, pretoriamente imposto ao país pelo novo Presidente, o general Costa e Silva. A essa altura dos acontecimentos, estávamos nos "anos de chumbo." Já havia eu deixado a minha saudosa CESB em razão do meu casamento precoce.
A CESB recebia com prazer novos moradores, quer dizer, jovens esperançosos de várias partes do país decididos a conquistar - desculpe-me a metáfora-clichê -, "um lugar ao sol". Tirante o longo período da ditadura civil-militar (1964-1985), também cognominada pelos apoiadores do novo regime político-ideológico, de a "Redentora.”
Me lembro de um abraço caloroso e apertado que o Dirceu me dera ao saber que havia sido aprovado para cursar Letras, modalidade-português-inglês. Me vendo sorridente e muito feliz por ter meu nome na relação afixada na parede da sala de entrada. do prédio da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.
Era o ano de 1965. Eu estava com apenas 19 anos. A princípio, fiquei apreensivo porque não vira logo o meu na lista dos aprovados. Ao meu lado estava a minha namorada, Elza, com quem, um ano depois, me casara. Tirante o longo período da ditadura civil-militar (1964-1985), também cognominada pelos apoiadores do novo regime político-ideológico, de a "Redentora."
Valmir Adamor viu que era forte em inglês e me perguntou se estava interessado em ganhar uns trocados fazendo traduções. Ele intermediava junto com o editor que publicava esses livros.
O curioso foi que o Adamor nunca me mostrara as edições que eu traduzia. Sei apenas que ele se incumbia de fazer as revisões e adaptações das traduções. De outro lado, mas jamais me mostrara um só publicação dessas traduções. Vilmar Adamor era corretíssimo no pagamento das traduções.
Por outro lado, nunca fiquei a par do nome da editora nem dos autores das obras por mim vertidas ao português nem porque meu nome não constasse nas breves obras traduzidas. Não me lembro de quantas traduções fiz, mas foram, pelo menos. umas cinco ou seis. Dos títulos no original em inglês não me recordo mais. Das razões disso não saberei mais. Eram obras de formato pequeno e com letras impressas bem miúdas. A essa indagação minha nunca obtive mais tarde, pois o escritor Adamor já havia falecido.