AINDA EM TORNO DAS MINHAS MEMÓRIAS : ALGUNS ACRÉSCIMOS

                                                  

                              CUNHA E SILVA FILHO
(Membro Efetivo  da Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL)
       

          O meu breve artigo publicado em jornal de Teresina,  de título “O grotesco na publicidade,” escrito aos 29 anos,  quando já estava no Rio de Janeiro, tornou-se, graças ao seu comentário no Facebook,  Dr. Benhur Cavalcanti,  mais  do que  um mero  comentário, mas   um grande artigo de sua lavra, meu dileto amigo.

     V. devia, há muito tempo, ser um brilhante jornalista. Já lhe disse isso. Mas, ainda é tempo. Lembre-se do meu exemplo paradigmático: Estudei na UFRJ, área de Letras, 17  anos contando com Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado.

           O tempo do transcurso para obter os títulos de Bacharel e Licenciatura, modalidade Português-Inglês - um longo período da graduação (sete anos para concluí-la, em vez de quatro ou, no máximo, cinco anos, como seria o normal,  i.e., para a obtenção do diploma  de Bacharel em Letras (Português-Inglês)  e o de Licenciatura  em Letras, ou seja,  mais um ano de estudos  no que se denominava Complementação Pedagógica, subdividido   em   aulas  de didática,  aulas dadas  pelos professores a seus alunos  e assistidas pelos  licenciandos

          Podia escolher  dar uma  aula de português ou  inglês. Optei  por  inglês e me saí muito bem apenas com algumas   recomendações, aliás,  bem  pertinentes da professora-regente, que era muito   rigorosa  e não dava mole ao licenciando,  sobre algumas falhas   na minha exposição  em inglês   de  incorreções de sintaxe inglesa, sobretudo de construções  nas quais deveria ser usado um  Present Perfect Tense e não o Past Tense – tipo de erro muito usual   em falantes da língua portuguesa.assim como    de    elogios à minha   pronúncia

         Essa segunda  parte era feita no Colégio de Aplicação da UFRJ. A primeira parte funcionava   na Faculdade da Educação  da UFRJ.   No meu  tempo,  ficava no bairro da Urca,  com  aulas de fundamentos filosóficos da educação, fundamentos sociológicos da educação e  estrutura e funcionamento do ensino.

          Eu era um moço determinado, com o objetivo obstinado de quem visa a um sonho finalmente concretizado. Por razões de sobrevivência, que não vêm ao caso elucidar, o meu curso de graduação ficou prolongado.

          A Faculdade de Letras da UFRJ pertencia aos diversos cursos superiores que constituíam a famosa Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI) da Universidade do Brasil destinados a formar professores para o exercício do magistério secundário, hoje ensino fundamental da sexta série  à nona séries, e ensino médio(antigo clássico, científico e técnico.)

         O curso de Letras e de outras áreas funcionava no prédio onde era a ex-Embaixada italiana (Casa d'Italia), na Avenida Antônio Carlos, Centro do Rio. Quando ingressei no curso de Letras, em 1966, ele ainda funcionava lá e tinha um Anexo, bem perto, na Av. Franklin Roosevelt, um antigo prédio de um Tribunal Eleitoral que, depois, fora demolido para dar lugar ao espigão que pertence à Academia Brasileira de Letras, junto do antigo prédio chamado "Petitt Trianon" ou ainda conhecida  como "Casa de Machado de Assis".

          No Anexo, os nossos professores também davam aulas, dado que, no velho prédio da FNFi, não havia suficiente número de salas de aula. Inclusive minha  turma  e eu ali tivemos aulas de algumas disciplinas do currículo com professores famosos, como, entre outros,  J. Mattoso Câmara Jr. (1905-1968), o seu competente assistente, professor Carlos Eduardo Falcão Uchôa, muito didático, com aulas agradáveis e claras sobre assuntos complexos como a disciplina linguística. Hoje, está aposentado. Terminou sua bem sucedida docência do ensino superior como professor emérito de linguística da Universidade Federal Fluminense (UFF).

           Outros professores, no caso, professoras, da parte de língua inglesa, foram Bernadinha Pinheiros que se tornou, mais tarde,  grande  e  conceituada tradutora de James Joyce (1882-1941), Aíla Gomes (falecida) que era a catedrática de língua e literatura inglesa. Foi uma  estudiosa e tradutora de William, Shakespeare (1564-1616)), Klara Wirz, segundo me informaram, já  faleceu também e nem sei em que data. Lamentável saber muito tempo depois do seu passamento.  Grande  conhecedora da língua de Shakespeare. A  professora Klara  Wirz lecionou para a minha turma durante três semestres.       

         Uma veza professora Klara Wirz confessou a uma colega minha de turma  que havia sido convidada a lecionar literatura inglesa ou americana. Não sei ao certo. Conquanto tenha aceitado  o encargo,   afirmou,  no entanto, que não era  o ensino de literatura de língua inglesa  e sim o ensino de gramática, , principalmente de versão para o inglês.  campo de estudos no qual fora uma notável   especialista.

        Lecionava versão para o inglês até ao nível adiantado Que eu saiba,  ela nunca publicou em livros suas excelentes Apostilas impressas pela própria Faculdade de Letras da UFRJ. Eu ainda as tenho comigo guardadas há tantos anos.   Na primeira  capa se lê:

               

                      U F R J

    

           FACULDADE DE LETRAS

          

    CURSO DE PORTUGUÊS-INGLÊS

    EXEERCISES FOR TRANLATION  INTO ENGLISH

                  Organized by KLARA WIRZ

                            Rio de Janeiro

SERVIÇO DE DOOCUMENTAÇÃO E INFORRMAÇÃO

                      SEÇÃO DE REPOGRAFIA

                                           1971

 

 

                                     

    

        As Apostilas datam dos anos de  1971(a da capa acima-mencionada), 1972 (sem capa)   e 1973 (também sem capa). Elas estarão sempre numa  das prateleiras da minha biblioteca  a que que dei o nome de “Biblioteca “Prof. CUNHA E SILVA”(1905-1990) -  lugar   especial e o meu recolhimento ou autoexílio entre os meus  encantadores e fiéis amigos do peito.  Livros  velhíssimos,  alguns do tempo do Segundo  Império de Sua Majestade D. Pedro II

     Livros novos e novíssimos, seja o que for, todos  são bem-vindos nesse espaço que ultrapassa o mero objeto livro e penetra  nos labirintos do universo constelado de metáforas da vida e dos homens. Livros, enfim,   .consoladores  que me instigam ao ato  da escrita (Jose Guilherme Merquior  detestava a palavra “escritura,” calcada no francês écriture ) e a  ler alternada e simultaneamente livros  apreciados, analisados,  degustados e amado..  

          Se a professora Klara houvesse publicado em editora as  suas magnificas  Apostilas e com a chave dos exercícios  em separado ou mesmo no corpo do livros ou livros,  como serviriam a tantos alunos que, como eu,  sempre me considere, na minha    intimidade de estudos  e pesquisas,   um  self-taught learner e, na vida,  um self-made man. 

.         Vale recordar  um fato que, ocorreu comigo:   quando aluno da professora Regina Pinto, já no prédio da ex-Exposição portuguesa  na Avenida Chile, fui até à sala onde acabava  de dar uma aula. Pedi-lhe,  por gentileza,  que me sugerisse uma  melhor tradução  ao vernáculo para  uma expressão meio complicada,  porquanto ela  me estava  dando dor de cabeça,  uma vez que  não  conseguia  um bom equivalente no vernáculo..

         Tal circunstância se deveu ao fato   de que    estava traduzindo algumas  breves obras em  inglês de vulgarização  no campo da psicologia. Arranjara  esse bico com uma   pessoa que conheci no restaurante dos alunos  da FNFI, logo no início  curso.

        Foi amizade à primeira  vista.  Logo se  me tornara   amigo.  Era um   escritor paraense chamado Valmir Adamor Silva,   residente no Rio de Janeiro. Pessoa honesta, culta, solidária.  Vendo que  era forte  em   inglês,  esse recém-conhecido e, logo depois, amigo, me  perguntou se estava interessado em  ganhar uns trocados fazendo traduções. 

       Respondi-lhe sem titubear: "Mas claro, Valmir,  que sim.   Preciso  muito desse bico. Estou casado recentemente. \Por isso, aceito   e quero começar  atarefa o mais cedo  possível,”concluí  a conversa  e me despedi dele.
        O curioso foi que o Adamor nunca me mostrara as  edições   das obras traduzidas. Sei  apenas que se incumbia de fazer as revisões e adaptações  das traduções.  Doutra parte, achava meio estranho que  o meu  nome, o nome  da editora  e os nomes  dos autores  das obras traduzidas   nunca me foram  mostrados.

        Teria sido muito bom para melhorar o meu curricum vitae. Contudo - enfatizo -  jamais me mostrara uma só  publicação   das traduções.  Quanto ao pagamento  pelas traduções,  Vilmar  era corretíssimo, pontualíssimo nos dias    combinados para o pagamento de cada livro.         

           Ele seria o intermediário   do contrato apenas apalavrado  entre mim e  o editor que publicava  os  livros. Estes eram destinados a fazer parte de uma   coleção, da qual era coordenado de temática  direcionada à  área da psicologia,   conforme me referi antes. 

          Certa vez, Valmir,  não me encontrando,  durante   uma semana  na Faculdade de Letras por um motivo do qual nem me lembro mais,  conseguira o antigo  endereço do meu tio em Oswaldo Cruz, com amigos meus  da CESB (sigla para a Casa do Estudante Secundário do Brasil) situada  na  rua Senador Pompeu, Centro do  Rio de Janeiro,  pertinho do Palácio Duque de Caxias e do   antigo prédio da Central do Brasil,   com o seu  grande relógio funcionando  até hoje, avistado  de longe como se fora  o célebre Big Ben  londrino. Bendita  CESB!   Situada num velho e carcomido prédio de  dois andares que dava para  os  fundos do vetusto e  suntuoso Palácio do  Itamaraty, ex-Palácio do  Ministério  das Relações. Exteriores.

        Valmir  foi   encontrar  o meu antigo  endereço em Oswaldo Cruz, na Travessa  Santa Luzia  - ruazinha pequena  do bairro onde sofridamente  morei  durante   dois meses com o   tio Zequinha, irmão de minha mãe que residia, desde adolescente,  na Cidade Maravilhosa   de “encantos mil.”

         A pessoa que o atendeu,  lhe perguntou o que ele desejava.  Valmir falou  o meu nome.  Ela, por seu turno,   lhe respondeu: "Ele não mora mais aqui  não". Aproveitando-se  do ensejo, seguramente   para bisbilhotar, indagou:

        "É alguma  dívida  do  sobrinho do meu marido" ? No caso,  o meu  tio Zequinha Setúbal, já falecido,   na casa de quem  morei  os mencionados dois meses.), "Ele tem alguma dívida com  o senhor? Vilmar,  secamente, lhe retrucou: “Muito ao contrário, senhora . Vim aqui  foi pagar-lhe por traduções que tem feito pra mim.” Valmir muito educado, apenas   despediu-se e saiu.        

        O aludido  relógio da Central   serve também   como  ponto de referência ou marco de quem vive no  Rio, ou de  um visitante ou turista de outros  estados do pais ou  do exterior. Bem perto dele havia a  referida  CESB  no  prédio ainda hoje sobrevivendo como  construção,  na qual  internamente   ainda   parece  ressoar   aos meus   ouvidos  de hoje gratas  recordações de um   jovem revolvendo,   proustianamente,  o  temps perdu ou retrouvé  da memória afetiva   ou   mesmo, quem sabe, escutando  as vozes álacres de   jovens estudantes cheios de sonhos,   idealismos  e de expectativas – aquele grupo   de novos  residentes da minha feliz moradia que me abrigou  com todo o carinho nos anos de 1964 a 1966.

         Jovens  distantes  de uma época tumultuada pelos desdobramentos políticos acirrados pelos partidários da esquerda. Jovens companheiros mortos por um ideal  que tardaria  a ser alcançado no pais  com a volta  da democracia  ao poder conquistado  pelo voto popular após uma fase discricionária exigindo da contemporaneidade  com aquele  slogan do “Nunca Mais,”  lembrando,  outrossim,   os versos assombrosos e fantasmagóricos  “Never more”  do poema “The Raven” ( “O Corvo”), do poeta, contista e critico literário  americano  Edgar Allan Poe (1809-1849).

         Enfim,  tempos negros e sombrios -  espaço de tempo  bicudos     nos  bastidores guerniquianos  do país com visões de botas e baionetas, à procura de subverters, empunhando armas de fogo e provocando terror e medo  nas ruas adjacentes do Centro    do Rio  e diante do Cristo Redentor de braços abertos,  nublado ou com a luminosidade  de céu  brigadeiro, visto  na distância dos bairros suburbanos    da Zona Norte  e  dos  bairros cicumvizinhos.   Por exemplo, caminhando  por Botafogro e    olhando para o  alto,  pela primeira vez, o  avistei, em estado de encantamento,   de  beleza apoteótica e fascinante, de dia, e feérica  à noite,  quando iluminada   a   imagem inesqucível.

       Evidentemente, um momento de epifania ao me deparar,com a magnitude do esplendor e a   leveza diante da  estátua do Cristo Redentor    abençoando ad eternitatem  visitantes nacionais e estrangeiros. Esplêndida  imagem-símbolo da metrópole de  São Sebastião, padroeiro  dessa cidade,  coisa que tão-somente havia visto   nos cinemas de Teresina,    nos cartões postais,  ou ainda em fotografias. Uma emoção indescritível   para    o migrante nordestino  recém-chegado.  Dependendo da posição ou perspectiva  de quem,  olhando para o alto do Corcovado a partir da distância da   altura da Avenida Presidente Vargas ou do final  da aristocrática   Avenida Rio Branco -   coração do Centro da urbe carioca,  a visão  da estátua  é uma deleite  para qualquer flâneur 

    Chegara eu ao Rio de Janeiro   em avião da VASP, que aterrisou  no Aeroporto Santos Dumont. Não  havia niguém  me esperando. Tive que recorrer ao préstimos do   primo    Wellingto chegara  por volta das dez  horas da noite.Mais detalhes sobe essa passafgem,  narro  no meu livro  Apenas memórias.

    Bendita CESB!   Na realidade,  era um    bom exemplo  de "república de estudantes," na qual  noventa  por cento eram  secundaristas, sendo que, uns dois  já estavam cursando  o primeiro ano de uma universidade pública e,  pelo regulamento da CESB, logo deveriam deixar a  augusta  e querida CESB -    ambiente sadio  e acolhedor,  cujo diretor,  durante o meu tempo lá,  foi    o Dirceu Regis Ribeiro, jovem  vindo da Bahia que  pretendia,  se a memória não me falha, cursar  filosofia. Tornar-se-ia logo um  militante contra a ditadura civil-militar.  Grande e  solidário amigo o  querido Dirceu! 

          Foi para mim esse estudante baiano,  muito politizado, orador  eloquente,  um entusiasta  empedernido da  poesia condoreira   de Castro Alves (1847-1871) Já no começo do regime   civil-militar, Dirceu,  um ano depois,  escreveu um livro de título O canto do Calabouço, que não cheguei a ler,  pois ele  já havia desaparecido da minha vista,  provavelmente  levado  pelos ideais  esquerdistas  de livrar o pais  do arbítrio e da censura à Imprensa, logo após o AI-5.  - decreto hiper-autoritário  com a finalidade de endurecimento ainda maior  do governo federal,    pretoriamente imposto ao país  pelo novo  Presidente,  o general   Costa e Silva. A essa  altura dos acontecimentos, estávamos  nos "anos de chumbo."     Já havia  eu   deixado a  minha saudosa   CESB em razão do meu casamento precoce.     

    A CESB recebia com  prazer  novos moradores, quer dizer,    jovens esperançosos  de várias partes do país decididos a conquistar -  desculpe-me   a metáfora-clichê  -,  "um lugar ao sol". Tirante  o longo período  da ditadura civil-militar (1964-1985), também  cognominada pelos apoiadores do novo  regime político-ideológico, de a      "Redentora.”        
        Me lembro de um abraço   caloroso e apertado que o Dirceu   me dera   ao saber que havia sido aprovado para cursar Letras, modalidade-português-inglês. Me   vendo sorridente e muito  feliz  por ter meu  nome   na relação afixada na parede   da sala de entrada. do prédio    da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. 

       Era o ano de 1965. Eu estava com  apenas  19 anos. A  princípio, fiquei  apreensivo porque  não vira logo o meu na lista  dos aprovados. Ao meu    lado  estava a minha namorada, Elza, com quem,  um ano depois, me casara. Tirante  o longo período  da ditadura civil-militar (1964-1985), também  cognominada pelos apoiadores do novo  regime político-ideológico, de a   "Redentora." 

       Valmir Adamor  viu que era forte em inglês e   me perguntou se estava interessado em  ganhar uns trocados fazendo traduções. Ele intermediava junto com  o editor que publicava  esses livros. 
      O curioso foi que o Adamor nunca me mostrara as  edições  que eu traduzia. Sei  apenas que ele se incumbia de fazer as revisões e adaptações  das traduções.  De outro lado, mas jamais me mostrara um só  publicação   dessas traduções. Vilmar Adamor era corretíssimo  no pagamento  das traduções. 

          Por outro lado,   nunca fiquei a par do nome da editora nem  dos autores das obras   por mim vertidas ao português nem porque meu nome não constasse  nas breves obras   traduzidas. Não  me lembro de quantas traduções fiz, mas foram,  pelo menos.  umas cinco ou seis. Dos títulos no original em inglês  não me recordo mais.   Das razões disso não saberei mais. Eram obras  de formato  pequeno e com letras impressas bem miúdas. A  essa indagação minha  nunca obtive mais tarde, pois o   escritor Adamor  já havia falecido.