"Agulha de coser o espanto", de Diego Mendes Sousa
"Agulha de coser o espanto", de Diego Mendes Sousa

 

AGULHA DE COSER O ESPANTO

 

Por Wilton Porto

 

 

Inicio o cometário sobre a mais nova obra de Diego Mendes Sousa com o olhar debruçado no título do livro: "Agulha de coser o espanto".

Alguém pode costurar o espanto? Vê-se que o Poeta embrenhou-se no reino das figuras de linguagem na titulação da obra.

Agulha é um objeto inanimado, nesse caso, atrevo dizer que Diego pendeu para uma prosopopeia.

"Manifesto que o ato criador é um enigma. Aprendi com Lorca e Rilke. Jamais saberei explicar a origem cosida do espanto, porque esse conhecimento se desfaz, vira esquecimento, se torna pura beleza e rastro do instante", afirmou Diego Mendes Sousa.

Rilke escreveu o poema "Diz-me, Poeta".

Imprime em uma das estrofes:

"Como o silêncio dos astros e o espanto dos raios te conhecem?: - Porque eu canto".

Aqui, Rilke nos leva a perceber que, na poesia, a Natureza pode ser humanizada. Oferecer poderes a uma agulha também pode e é plenamente possível.

Diego é um Poeta de enorme sensibilidade. E ele confessa o quantum da inspiração que o envolve.

Ele é o tipo que admira uma pequena flor solta na rua, como a xanana, e mais do que admirar: se espantar, porque tudo na existência, ele traduz em canto. O canto poético, que faz do verbo e do adjetivo um monumento, o dançar do que lhe abisma ou traz agonia.

O Poeta Diego Mendes Sousa considera a poesia também como a expressão do "ridículo". E aposta no exagero extravagante e usa e abusa das figuras de linguagem. E então, se excita diante da hipérbole, da prosopopeia e se acomoda bem nos braços da metáfora.

A crítica não segura os elogios e até abre o verbo para desfilar a forma como o Poeta usa com constância essas figuras.

Diego cria e recria palavras, estrofes.

Assim, "coser o espanto" é criar e recriar através de poemas, tomando mão do exagero e do ridículo, deixando aflorar o que o inconsciente dita, se valendo dos recursos que as figuras de linguagem permitem.

O leitor deste Poeta lhe tem um xodó, pelo fato de ele ter um lirismo em que a metáfora e a comparação ganham um relevo de cores múltiplas e vivas e modelagens criativas.

Ao tempo em que Diego se desmancha de amor pela amada, cultua o encanto pelo torrão que lhe abriu as portas como berço.

E no afã de ir além das próprias possibilidades, navega no mar, que tão bem cantou e encantou Camões: o épico.

Diego procura não cair na malha do comum. E muito lapida versos em que o jogo de palavras é evidente.

Em "DE PROPÓSITO" escreve:

 

A poesia está ao par do tempo.

O poeta está a par da vida.

O poema é a pá da alma

e a memória

é o par das horas.

 

Usa da palavra "par" em sentidos diferentes.

 

Em "Precipitação", o Poeta é de uma criatividade fenomenal. Aproveita-se dos recursos que lhe dignificam como Poeta e cria uma poesia bela, em que "amanhã", "a manhã" e "manhã" ganham uma dimensão louvável:

 

amanhã

choveu

esta

água

de agora

e de nada

 

a manhã

choveu

na infância

do porvir

 

Hoje

na

manhã

ainda

choverá

essa

mesma

sinfonia

de um

ontem

talvez

.............

Amanhã não é futuro?

Choveu não é passado?

Analisando, percebe-se que o eu-poético foi mestre em criatividade.

Diego não é um Poeta de fácil leitura, devido ao seu rebuscado agir conotativo. Olho os títulos dos poemas, nos vários livros que publicou, e tento enlaçá-los com os próprios versos. E tenho, muitas vezes, que ser muito atencioso para penetrar no conteúdo. E há horas em que digo: "este Poeta quer deixar-me louco!"

Vou analisar a poesia "Catequese":

 

Trajei os olhos de fuga

para permanecer

Trajei a alma de sonhos

para não seguir

Vesti o tempo que parte

em traje de gala:

o agora mais.

.......

Vivo dentro da Igreja desde criança. Lendo, participando, pregando, sendo missionário, Ministro da Comunhão...

O título haveria de chamar-me a atenção.

A Catequese nos ensina a conhecer Jesus, viver o que pregou e espalhar o que ensinou, jogar por terra o que é mal, fazer uma reforma íntima e ser luz e sal e fermento por aonde for.

Perguntei-me se um padre bem interpretaria.

Assim, sabendo que, um poema, por ser algo pessoal, conotativo, dando margens a um leque de interpretações, arrisquei-me.

O eu-lírico foge do mal, do pecado, para permanecer no bem. Veste a alma de sonhos salutares, do que é belo, fraterno, dignificante para não se deixar cair nas armadilhas do demo e escurecer o caminho que o leva à Verdadeira Luz.

Vestir-se da roupa alva, sinal de pureza, roupa de "gala", digna de participar do banquete.

"o agora mais".

Há uma passagem da Bíblia que diz:

BUSCAI PRIMEIRO O REINO DOS CÉUS, E O MAIS LHE SERÁ DADO EM ACRÉSCIMO".

"O MAIS" são as Verdades intangíveis, creadas (com "e") por Deus, que não se queimam, não se afogam, não se destroem, não têm tempo determinado.

Na catequese, nós apreendemos "o mais". O virtuoso, o bom, o belo.

"Riatla"

No final do livro, página 93, encontramos o poema "Riatla". Descreve uma cidade. Não a encontraremos em nenhum mapa, atlas.

Mais uma vez o Poeta foi hábil na metáfora: Riatla é a grande Musa Altair, a digníssima esposa do Poeta, a quem ele tem dedicado inúmeras bem elaboradas poesias.

O Poeta se procura e se encontra nesta cidade. Ali, tudo de excelso na vida do Vate acontece.

O Poeta escreve de trás para frente:

Altair se transforma em Riatla.

O assombro e o nada ganham peso e luz no eu-lírico. Ele tenta fugir da loucura e do nada, do amor arrebatado e da agonia.

A Natureza e a Terra Natal (Parnaíba), com a beleza que o tonteia, são as águas que o alimenta e seduz e o faz produzir.

 

 

Ensaio de Wilton Porto, poeta e membro da Academia Parnaibana de Letras.

 

Nenhuma descrição de foto disponível.

Diego Mendes Sousa e Wilton Porto