AGRURAS FINANCEIRAS



                                                                                              Cunha e Silva Filho



                          O país dos bruzundangas limabarretianos está vivendo sérios problemas ligados, agora, ao custo de vida. Não podemos comprar o que fazíamos há pouco tempo, não podemos ter plano de saúde, sobretudo se passamos a barreira dos sessenta anos, para não falarmos dos oitenta, faixa etária na qual somos considerados carta fora do baralho na visão diabólica dos calculadores de tempo existencial, nem tampouco podemos comprar livros para atualizarmos. Mesmo os sebos estão, agora, com preços altos. Pobre de nós que amamos tanto os livros! 
                          É lógico que me reporto ao cidadão de classe média baixa, ou mesmo média propriamente dita. Que não me ouça do além meu contista João Antônio, nem tampouco H.L. Mencken (1880-1956), o célebre crítico literário americano, que para ela – a classe média -, até cunhou um termo, “booboise”, mistura, em inglês, de “bourgeoisie” e “boob”( pessoa estúpida).        

                       É, pois, nessas faixas da pirâmide social que as agruras financeiras, da noite para o dia, recrudesceram. Muito estranha essa noite de núpcias com a economia. Foi apenas um intermezzo que rendeu muito auto-elogio do governo Lula, sempre arrotando ao povo grande eficiência no controle da economia brasileira... No entanto, a realidade, como a mentira, tem pernas curtas. O período de tranqüilidade global do neoliberalismo de mistura com estatismo-burocrático autoritário – que mixórdia pós-modernosa! - está se alterando e para pior. Haja vista o que os arúspices do FMI estão prevendo. Não adianta querer dissimular, como a Capitu machadiana, ao povo que estamos num mar de rosas do capitalismo global.
                     Na prática, o que está ocorrendo é justamente pressão do governo federal sobre a classe média, bode expiatório de todos os buracos escavados pela gastança desenfreada do Planalto com as ramificações estaduais já identificadas por parte do público esclarecido e da própria imprensa .
                    A cobrança escorchante do imposto de renda incidindo sobre os salários dos servidores públicos e privados se mantém inalterada, imperial, com mão de ferro. Há mais de uma década sofremos o arrocho salarial, que, na verdade, veio como herança do governo do FHC. Quando pagamos as cotas do Leão estamos pagando duas vezes, pois a primeira nos é retirada a fórceps no sofrido contracheque; a segunda, transformada em prestação compulsória, ou seja, uma espécie de confisco “legal”, de um dinheiro que se destinaria à nossa mera sobrevivência. Quando pagamos com a nossa sobrevivência, o governo está agindo autoritariamente. Mesmo pagando as tais cotas, ainda por cima nos cobram a tal selic atualizada e, agora, aumentando com a alta do juros determinada pelo governo. Estamos no tempo medieval, ou mesmo nas colônias do Império Romano?
                 Quanto aos aristocratas senhores da elite brasileira, ah, esses estão bem ancorados nos seus investimentos estratosféricos até além-fronteiras, nadando no ouro e nas festanças da high society, em igualdade de condições dos grandes burgueses de todos os continentes globalizados. Essa minoria, detentora da maior parte da riqueza do país, é claro, continua consumindo produtos skyhigh nas Dasluz da vida e sendo cortejada pelos colunismo social bajulatório e estéril dos grandes e pequenos jornais do país.
               Na base da pirâmide, a arraia-miúda, infelizmente alienada por razões de pobreza educacional, se farta e se contenta carnavalizada nos restos das migalhas dos diversos expedientes diabolicamente engendrados pelos donos do poder, através dos Bolsas-Família e dos PACs messiânicos e patrioteiros.
               Um dado da realidade social se mostra infinitamente coerente no que respeita à sua simetria com o descalabro da imoralidade política e do cinismo inveterado da política nacional: é a escalada desenfreada da violência em todo o país inflada sobretudo no eixo Rio-São Paulo. .Até parece que uma se reflete na outra como dois espelhos feitos dos mesmos instintos de barbárie e de crueldade. Na síntese dialética o que se tem é um mesmo quadro de podridão de práticas de ilicitude, um Dorian Gray - personagem famoso de Oscar Wilde (1856-1900) -, se olhando no próprio retrato, este tanto mais grotesco quanto mais se chafurda na iniqüidade moral. O país hoje é um circo de horrores.