Adriano Aragão lança novo livro

     

       Adriano Lobão Aragão, poeta e professor de Literatura, está divulgando seu novo livro de poemas, Yone de Safo. Lobão   é fundador da revista literária amálgama. Em 1998, através do Concurso Novos Autores, recebeu o Prêmio Cidade de Teresina pelo livro Uns Poemas, publicado no ano seguinte pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Em 2005 publicou Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra, pela Fundac. Participou das coletâneas Versos Diversos (Passos/MG) e Poetas do Brasil 2000 (Porto Alegre/RS).

      Entre-textos apresenta aos leitores alguns dos saborosos poemas da obra e o prefácio, escrito pelo também poeta Wanderson Lima. Ei-los:

       

           prefácio

 

estes os heróis derrotados

a entoar hinos para uso do delfim

que o gosto dos males

provém da visão que deles temos

 

este o medo

a bandeira de guerra lançada aos inimigos

o porta-estandarte feito em pedaços

eis o que deles temos

 

e contam de uma senhora a história

de seu curral arrancada

e desmembrada em desfile apresentada

com a vagina encravada em estandarte

 

andemos pelo campo ardente

sem motivos para punir covardia

em troca de vigília

estas as terras-pobres

 

estes os heróis derrotados

estes os funerais do domador de cavalos

restos de crinas e cascos

a hastear os heróis na lança

 

eis o que deles temos

 

 

 

 

           § 1

 

            e plantam flores onde fenecem os frutos da terra

            para mães que não podem resistir às dores do parto

            as vítimas de tanta desgraça atiram-se às trevas

 

            pelos mesmos gestos de efusão materna acumulados

            sem que nenhum júbilo encontrasse aquele que caminha

            onde plantavam no sagrado barro os ossos do pecado

 

            desfeito abrigo e caminho da palavra medida

            que as mãos de uma mãe recolhe para o útero vazio

            e com a língua recobre e cura a própria ferida

 

            e planta flores onde fenecem os frutos de Eva

            e grita as dores do parto de um filho sem umbigo

 

 

 

 

 

               § 7

 

               assim sutil recompõe no olhar teu traço que vislumbra

umbra de teu corpo concreto sutil e preciso mar

onde teu ser está no traço que meu olhar desnuda

 

no gesto que impunha sem que devolva qualquer olhar

nua está na veste que te vista na umbra que te cubra

assim compõe tua figura no estar no vestir no andar

 

mesmo onde teu ser não está teu traço meu ver vislumbra

estará sempre presente e nua onde meu olhar olhar

 

            Distrito Federal
 

 

ainda há galhos tortos de serrado

onde se tornou concreto

o traço arquitetônico deste plano piloto

 

não sei onde vi o nordeste

 

não no barro vermelho de Taguatinga

não no ar áspero cortando narinas

 

talvez no esquecimento

            entre campo e cidade a fazenda
entre campo e cidade a fazenda ostenta a solidão

cidade: a idade dos fios as vias de pedra polida

no chão entre asfalto e capim a ponte e dos postes a luz

campo: o tempo nas marcas dos cascos dos cavalos

o homem e a cria de seu gado o pasto oprimido

ponte: entre cidade e campo a fazenda e seus dias

desfeitos na poeira polida e fuligem do caminhão 

 

  YONE DE SAFO

 

Wanderson Lima

 

Adriano Lobão Aragão é um dos mais promissores poetas da nova safra de escritores piauienses. Ele tem algo, a meu ver, fundamental para um escritor que leva seu ofício a sério: um projeto literário definido. Lobão sabe que escrever é produzir – e produzir pressupõe, no bom sentido, sujar as mãos, testar, imitar para aprender. A literatura não surge ex nihilo e poetar não é um simples exercício demiúrgico; um poeta – como tem enfatizado Harold Bloom – só o é porque lê outros poetas e procura respondê-los com outros poemas. Isto Lobão sabe bem, como evidencia suas produções; seus poemas não são irrupções de uma alma inspirada – são, sim, exercícios emulativos, paráfrases e colagens de outros poemas.  

Creio que, se quisermos perquirir o projeto literário de Adriano Lobão, encontraremos três notas dominantes: a pesquisa prévia do material, o intenso diálogo intertextual e o entrelaçamento entre poesia e narrativa ( – a poesia narrativa de Lobão bordeja, nostalgicamente, o epos). Estes três aspectos podem ser entretecidos em um conceito: o historicismo. O termo, oriundo da arquitetura, foi usado por Fredric Jameson em suas reflexões sobre a produção artística dita pós-moderna  e designa mais ou menos a livre fusão e citação de estilos sem uma intenção ulterior, seja ela satírica, cômica ou laudatória. O historicismo é, em suma, a reivindicação de um novo ecletismo, que rechaça a idéia de homogeneidade estilística, predicando a impossibilidade desta numa sociedade em que não há mais uma norma hegemônica. A forma de manifestação do historicismo chama-se pastiche, espécie de imitação pela imitação (conforme expressão de Sérgio Paulo Rouanet), já que despida de intenções críticas. O pastiche, na perspectiva de Jameson, é a réplica pós-moderna da paródia modernista.

A minha hipótese é que Adriano Lobão, leitor eclético, neste Yone de Safo e no livro anterior, Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra, é um “flâneur” da cidade dos versos. Com inegável tato poético e bom gosto na escolha de interlocutores, Lobão vai agregando fragmentos e estilos: H. Dobal, Gerardo Mello Mourão, o Homero da tradução de Carlos Alberto Nunes, alguns líricos lusos, a Bíblia, Cabral de Melo Neto. Os textos que Adriano faz dialogar em seus mosaicos poéticos às vezes criam dissonâncias tais que podem parecer jogos gratuitos. Depois de algumas leituras, porém, percebemos que esse “defeito” é algo pensado pelo autor. Lobão, no fundo, é um esteticista; seus signos remetem, de imediato, a signos (diria Bloom: seus poemas respondem a outros poemas) e seu fim não é engendrar um discurso “realista” ou crítico pela poesia, embora às vezes ele o tente­ – como atesta a queda de tom em que seu penúltimo livro, Entrega a Própria Lança na rude Batalha em que Morra, se lança nas seções “A Classe Operária Vai ao Paraíso” e “Os Passageiros das Águas”.

As citações e as alusões presentes na poesia de Adriano Lobão não estão ali, em primeira instância, para denunciar ou propor reformas. Quando Lobão recolhe os fragmentos de versos e estilos para “montar” o poema ele o faz não à maneira da montagem do velho Einsenstein mas ao modo da montagem de Quentin Tarantino, acreditando que a arte, em primeira instância, se alimenta de arte. Isso quer dizer, então, que a arte de Lobão é alienada? Como resposta, deixo “O Engenheiro Inglês”:

 

as obras de ampliação do metrô de Teresina

desfazem em cálculos outros números

 

sob o rio grande outrora dos Tapuias

sob o risco da ignorância

repetem-se eternas alegorias

onde não há inglês pra ver

 

somente o silêncio certo dos urubus

esperando novas carcaças

de metal e concreto

 

Qual a motivação desse poema? Se minha hipótese é certa e, de fato, a poesia de Lobão se constrói sob o signo do historicismo, esse texto é, em primeira instância, um perfeito pastiche do estilo de H. Dobal. Só em segunda instância ele é uma crítica. A referencialidade é sempre evidente, mas o modus operandi de Lobão se alicerça no diálogo intrapoético (um afoito formalista diria que essa minha afirmação vale para qualquer poeta, o que absolutamente não concordo). Adriano Lobão, portanto, não é alienado mas tampouco, felizmente, é um ideólogo; é, simplesmente, um artista.

O salto qualitativo de Adriano entre Uns Poemas e Entrega a Própria Lança foi abismal. O leitor perceberá que Yone de Safo também representa um crescimento, embora, dado o curto lapso temporal entre o segundo e o terceiro livro, esse crescimento seja mais discreto. Das cinco seções em que o livro se organiza, fico com “A Coluna de São Simeão” e lamento que a bela “Nordestes” seja tão curta; o título do livro, porém, enfatiza a primeira seção, de poemas de teor erótico, onde realmente há peças bem acabadas. A quinta e última seção do livro, “A Árvore de Ossos”, aponta, talvez, para uma nova dimensão da poesia de Adriano, menos fragmentada e alusiva, centrada na memória individual e não no historicismo, por conseguinte um tanto fora da descrição que fizemos. Bergson desponta na floresta de signos de Lobão.