Vou acabar tendo que sair de casa. Abandonar o lar onde moro já há muitos anos e do qual, finalmente, poucos meses atrás, depois de muito sacrifício, terminei de pagar o financiamento. Mas não vou só, claro: a família vem comigo. Nem sairei voluntariamente, as razões para essa arribada, você verá, não dão margem a outra decisão.
     Naquela época, quando a adquiri, não sei se ainda é assim, mas creio que não, era legal, para um projeto residencial ser aprovado, que os construtores se comprometessem a entregá-lo aos adquirentes e à cidade, dotado das mínimas comodidades: água, energia, serviço telefônico; vias públicas calçadas, pavimentadas. Para não ser leviano, devo afirmar que telefonia e a pavimentação do logradouro em que se situa meu imóvel eram razoáveis; todavia, desde o início e, até hoje, o sistema de abastecimento de água e de energia elétrica são sofríveis.
     Anos depois de lá chegarmos veio o serviço de saneamento básico. Como prêmio por sua implantação, ganhamos um problema crônico e insolúvel, e é ele o principal motivo de estarmos “dando no pé”: a destruição da via pública. A bem da verdade, na rua onde moro, jamais a prefeitura fez qualquer manutenção; mesmo a capina, na época de chuvas, fica por conta dos moradores. Como contribuinte, se não o primeiro, um deles, tenho certeza de ser, a recolher o IPTU; nunca atrasei fatura de energia elétrica nem de água/esgotos. Pois bem, só para citar outro exemplo do descaso governamental, a iluminação pública, cujo custo - altíssimo: não consigo consumir, anualmente, em quantidade de lâmpadas, o valor que a taxa mensal me permitiria adquirir - está embutido na conta da empresa de energia que, ainda hoje só substitui as lâmpadas queimadas mediante reiterada reclamação. Depois que, há quase duas décadas, a companhia de água e esgoto “esculhambou” a rua para instalação do sistema de saneamento, as chuvas dos últimos invernos, aliadas à natural exaustão dos péssimos materiais utilizados em sua pavimentação e ao fluxo de veículos, completaram a destruição: hoje ela está quase intransitável. Não seria exagero dizer que, na minha rua, as pedras têm vida própria. Se, pela manhã, se observam umas a metros da entrada ou saída de uma residência, à tarde, elas já podem “estar impedindo” o proprietário de nela entrar ou sair. É que o vai e vem de pessoas e carros faz com que se movimentem.
     Como a prefeitura se esqueceu de meu bairro e, muito mais, de minha pobre rua, corro risco de logo, logo não poder entrar ou sair de casa. Isto pode parecer, mas não é nenhuma utopia. Por isso, é bom sair enquanto há tempo.
     Preciso me mudar. O que me chateia é que nem tive tempo de desfrutar o prazer de ter uma casa própria, sem preocupação de prestação ou saldo devedor impagável. Faz poucos meses, como já disse, que nada devo à CEF ou SFH. Saio com a família, antes que pedras, areia, restos de argamassa, à frente do portão, separem-nos.
     A propósito, na média, a vizinhança é boa. O que destoa são os pulhas que, por exemplo, ao podarem as árvores de suas casas, se você descuidar-se, são capazes de derramarem galhos e folhas cortadas dentro de seu quintal. No mais das vezes, esses inescrupulosos colocam os despejos vegetais no leito das ruas, pouco se lixando para os bem educados.
     Bom, se após saber disso, você ainda se interessar por minha casa, um aviso: posso vendê-la. Vai que o senhor seja amigo do prefeito ou do diretor da superintendência de desenvolvimento urbano da zona que cuida do bairro.Um lembrete: lá, todos os residenciais estão com os logradouros em péssimo estado de conservação. Creio que não vai ser fácil desfazer-me dela: vários ex-vizinhos colocaram seus imóveis à venda e só anos depois conseguiram vendê-los, mesmo assim, baixando o preço originariamente pedido. Como não pretendo regatear, vai ser difícil dar adeus ao doce lar.
     Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal e escritor piauiense ([email protected])