Cunha e Silva Filho


                        De repente, o telefone toca. Minha mulher atende. Do outro lado da linha alguém fala e, da voz  da minha mulher, vem  esta notícia que não queríamos tão cedo neste mundo receber: “Adailton faleceu”. Ao lado de Elza, tenho um sobressalto, fico, primeiro, calado, com a vista fixa em algum lugar distante e indefinido.
                       Depois da internação com problemas sérios no estômago, passando por uma cirurgia, Adaíiton Medeiros, poeta maranhense, da mesma cidade natal de um dos maiores poetas do Brasil, Gonçalves Dias, entra em coma, nele permaneceu até hoje de madrugada, dia 9 de fevereiro, quando veio a nos deixar para sempre. Ninguém  queria que fosse assim. Era cedo, havia tanto ainda a fazer, reunir, como era de sua vontade, suas poesias num único volume e sobretudo viver. Adailton é de 16 de julho de 1938.  Fico assustado, sem palavras.  Penso de imediato no meu velho amigo desde o tempo em que o conheci. Eu, fazendo Letras na Faculdade de Letras da UFRJ, lá na Avenida Chile ou mesmo antes, não estou certo, na Rua 1º de Março, na então Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, depois, UFRJ.; ele, cursando o Mestrado em Ciência da Literatura. Adailton, antes, fizera Jornalismo na citada Faculdade Nacional de Filosofia. Estava ainda bem jovem. Creio que fui apresentado a ele por Elza.
                      Adailton nos deixou numa idade em que não podíamos chamar ainda de avançada. Tinha apenas setenta anos, e nem parecia pela jovialidade do seu físico franzino, de sua baixa estatura, de sua pele fina, do uso da barba que o deixava mais parecido com um poeta romântico. Os óculos de aro fino ajudavam a realçar a aura de poeticidade da sua figura humana. Setenta  e um anos é muito pouco para um intelectual. Setenta  e um anos anos é muito pouco para deixar os amigos, ó poeta!
                     Estou me lembrando agora da sua forte e cativante presença, muito viva ainda para mim. Vi-o, pela última vez, no lançamento de um livro meu, que aconteceu no final do ano passado.
Adailton, poeta no superior sentido da palavra, poeta criativo, inserido na modernidade, vindo da Vanguarda chamada Práxis, surgida no ano de 1962. Como salienta Assis Brasil no seu utilíssimo Vocabulário técnico de literatura (Edições de Ouro, 1970), aquele movimento inovador, inaugurado por Mário Chamie, constituiu , com o Concretismo de 1956 e o Poema-Processo (1967),os “três movimentos de Vanguarda no Brasil” (p. 172-173).
                     A sua evolução poética não o limitou ao praxismo. As vanguardas são válidas, porém passam. Deixam lições, processos novos de poeticidae e, no final, seus adeptos mudam de rumo em direção aa seus próprios caminhos, ou seja, procuram uma poesia que atenda ao valor da palavra, do verso e do discurso, mas, na geral, as marcas espácio-gráficas parecem insinuar-se nas novas formas da produção poética. A sintaxe e o espaço livre da página, a extensão das linhas do verso, alguns recursos grafemáticos voltam a integrar as novos processos, técnicas, dicções e vozes da poesia contemporânea, nacional ou universal.
                   Adailton Medeiros deixou 9 obras, 5 no gênero poético e 4 distribuídas em ficção, uma novela Revoltoso Ribamar Palmeira(Rio de Janeiro: Matavalos, 1978); Braçadas de palmas (discurso), Rio de Janeiro: ACLERJ, 1981); Floração de Minas (discurso), Rio de Janeiro: AbdL, 1982); Quatro ensaios In: Samuel, Rogel.(org.). Literatura básica. Petrópolis: Vozes, 1985, v. 1. Poesia: O sol fala aos sete reis das leis das aves .Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro, 1972; ; Cristó' vão ’Cristo: Imitações.São Luís/Rio de Janeiro: Coleção Azulejo, 1976; ; Poema Ser Poética, texteoria. Rio de Janeiro: Achiamé, 1982: Lição do mundo. Rio de Janeiro,  Edição. Sete, 1992; Bandeira vermelha. Rio de Janeiro: Editora Caetés, 2001.
                  Adailton  Medeiros foi jornalista, professor ( por pouco tempo) e atuou no setor privado. Essencialmente, era poeta. Pertenceu à Academia Brasileira de Literatura, Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro e Academia Caxiense de Letras, (Caxias, MA). Era sócio dos Sindicatos dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e dos Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro.  Pertencia à Associação Brasileira  de Imprensa(ABI),  Academia de Letras de Uruguaiana(RS),  ao Instituto Histórico e Geográfico  de Uruguaiana,  à Academia  Internacional de Ciências Humanísticas. Membro vitalício  da IWA - International Writers and Artists Association (USA).Sua poesia se encontra em antologias e periódicos nacionais e internacionais.
                 Sua fortuna crítica é de primeira grandeza e inclui, entre outros, nomes como Fausto Cunha, Assis Brasil, Foed Castro Chamma, Antônio Olinto, Telênia Hill, Nelly Novaes Coelho, Nauro Machado, Leodegário Amarante de Azevedo Filho, Mário Chamie, Ângela Fabiano, Affonso Romano de Sant’Anna. De sua poesia falaram com entusiasmo Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Laís Côrrea de Araújo, Francisco Venceslau dos Santos. Respeitadas histórias da literatura brasileira o citaram, como a de Afrânio Coutinho, a de Luciana Stegano Picchio, a de Sílvio Castro.
                Não é, porém, meu propósito central sintetizar o valor e a natureza poética de Adailton Medeiros. Escrevo esta crônica impulsionado pela notícia de sua perda.
               Me  interessa antes vê-lo na condição de amigo. Em nossas frequentes conversas pelo telefone, que, muitas vezes, duravam quase uma tarde ou horas da noite, Adaílton pouco a pouco, ia me dando pistas para que eu compusesse no meu espírito o perfil de sua personalidade literária e humana. 
              Nunca quase falava de sua própria poesia, a não ser da idéia de reunir seus poemas todos num só volume. Preferia falar da vida literária. Me confessava que lia mais poesia, sobretudo Drummond, e, às vezes, alguns ensaios. Era, ademais, muito antenado com o que ocorria no país e no mundo. Tinha uma grande cultura geral, boa memória histórica, Delicioso conversador, parecia nunca querer concluir o fluxo de sua conversa , na qual a porcentagem da interlocução dele seria de 90% enquanto a minha ficaria nos 10 % restantes.
            Notável é constatar como sabia meu amigo do que acontecia nos bastidores literários. Não eram fofocas, mas caso pitorescos, ilustrativos, iluminadores, e altamente informativos. Conhecera muita gente do meio cultural e social brasileiro. Não só do Rio de Janeiro, mas também de outros estados do país.
           O que mais me encantava nele era a sua fina educação social, tinha muito respeito aos seus pares. Não falava mal de ninguém.Inegavelmente, parecia encarnar a crônica literária brasileira. Nisso era um dicionário ambulante com nomes na ponta da língua, parecendo uma genealogista. Tudo sabia do que estava acontecendo ou ia acontecer. Me divertia ouvindo-o atentamente contar engraçadas situações do meio intelectual brasileiro. Perfeito cronista oral  da vida literária.         Era uma das poucas pessoas das minhas amizades que sempre me tratava carinhosamente de “Chico”, talvez pelo costume, no nordeste, de dar preferência ao hipocorístico.
Não quero concluir estas observações de saudade sem pelo menos fazer referência a dois fatos relevantes, pelo menos, para mim.
           Adaílton sempre esteve presente nos momentos em que eu era a figura da atenção das pessoas. Na defesa de minha dissertação de Mestrado e na defesa de minha Tese de Doutorado. Lá estava ele para prestigiar o evento com a sua presença encantadora.
           Outro fato, em chave de ouro, se relaciona à própria poesia. Há um poema dele, “O sino,” que consta do seu último livro editado, Bandeira vermelha”, atrás mencionado,  o qual, no calor destas linhas tristes, me soa algo profético, que lhe estava muito próximo. Me dissera que esse poema tinha uma significação especial para a sua compreensão da vida. Manifestou o desejo de vê-lo traduzido para outras línguas. Ia pedir isso a amigos escritores e professores conhecedores de línguas. Foi, então, ao saber disso, que me propus tentar vertê-lo pro inglês. Adaílton tinha a sua própria interpretação para aquele pequeníssimo poema, a qual seria mais ou menos assim: o primeiro e o segundo versos seriam o nascimento; o terceiro, quarto e quinto versos, figurariam a vida e, finalmente, os dois últimos versos, a morte. Veja-se o poema abaixo:

O SINO

O sino bate
dentro de mim
O sino toca
na Catedral
ou no Mosteiro
O sino soa
surdo por mim      

          Adailton, você sabe, amigo, que, acima da sua poesia de altos recursos formais, há nela uma latejante humanidade, amor às pessoas, aos amigos, às mulheres nas suas várias atuações intelectuais, profissionais e artísticas, com são testemunhos aqueles poemas a elas dedicados na primeira parte da sua obra Bandeira vermelha, já citada. Sim, meu amigo e conversador brilhante ao telefone, o que mais fica gravado no fundo de nossa alma, já saudosa, é o prazer da amizade que fica diminuído pela ausência que dói para sempre.