Rogel Samuel

Na minha vida, nunca vi o poeta Abgar Renault, autor do poema que diz:

As nossas coisas são o nosso convívio verdadeiro.
Uma camisa adere à nossa vida entranhadamente,
como o carinho mais cruel ou como um nome,
e sabe mais de nós que a confissão mais funda.
Um lápis é sempre um sexto dedo,
e é íntimo como a língua este cigarro.

As nossas coisas nos vêem, cheiram, sabem, gostam,
e sofrem-nos pacientemente como somos,
em nossas de carne e osso tristonhas intimidades.


Nunca o vi, mas muito o li e estou preso a seu nome devido a um fato administrativo e a um bilhete: foi ele quem assinou, naquele tempo, o meu título de professor titular de uma universidade particular. Naquele tempo, Abgar era um dos membros do conselho de educação. Anos depois lhe enviei o meu livrinho “Crítica da escrita” e ele agradeceu com um cartão, e dele recebi as melhores palavras possíveis. Pois escreveu: “Rio de Janeiro, 20 de fevereiro 82. Ilustre colega Rogel Samuel, gostei muitíssimo de “Crítica da escrita”. Não é apenas um singular documento da erudição, mas também uma prova excelente de sua capacidade de clarificar o que a maioria dos autores ama obscurecer e confundir. Acima de tudo esse esboço de tese e essa dissertação revela um aparelhamento crítico de uma finura e de um poder de análise realmente impressionantes. Não conheço em nossa língua nada tão bom. Cordialmente, Abgar Renault". Deixo aqui o bilhete, que veio com o selo "Ad immortalitatem", da Academia. Para que saibam. Para que não se perca. O bilhete faz parte de mim, como a camisa, o lápis do poema. A nossas coisas fazem parte do nosso museu particular, como uma camisa datada, entranhada no nosso guarda-roupa.