À vista, à mão: crase com expressões de circunstâncias
Por M. T. Piacentini Em: 15/10/2012, às 20H16
[M. T. Piacentini]
Vejamos agora a crase em relação às locuções adverbiais de circunstância – modo, meio, lugar, tempo – formadas pela sequência Prep A + Substantivo ou Adjetivo. A maioria delas tem a ver com o modo, respondendo à pergunta "como?" Por exemplo: "Comprou o carro à vista." Comprou como? À vista.
Nas locuções adverbiais masculinas, como: a pé, a cavalo, a caminho, a capricho, a caráter, a frio, a gás, a gosto, a lápis, a meio mastro, a nado, a óleo, a postos, a prazo, a sangue-frio, a sério, a tiracolo, a vapor etc., não se acentua o a, que é uma simples preposição.
Nas locuções circunstanciais femininas, contudo, embora esse apossa ser só preposição, é de tradição acentuá-lo por motivo de clareza. Compare nos exemplos abaixo o significado da frase sem o acento e com ele:
Favor lavar a mão. – Favor lavar à mão, e nãoà máquina.
Caiu a noite (anoiteceu). – Ele caiu à noite.
Vendeu a vista (os olhos). – Vendeu à vista.
Foi caçada a bala (a bala foi caçada). – Foi caçada à bala.
Cortei a faca (cortou a própria faca). – Cortei à faca.
Coloquei a venda (faixa nos olhos). – Sim, coloquei à venda.
Trancou a chave (a chave foi trancada). – Trancou à chave.
Pagou a prestação (pagou-a). – Pagou à prestação (em prestações).
É por essa questão de clareza que se recomenda e geralmente se acentua o anas locuções femininas de circunstância, para que a preposição não seja confundida com o artigo feminino. Nestes casos, não funciona o artifício de ver como é que se comporta uma expressão similar no masculino, pois não haverá correspondência de à com ao. Trata-se de uma exceção. Então, por ex., mesmo que se escreva a prazo (subst. masc.), escreve-se à vista, com acento.
Vejamos outros exemplos em que a preposição poderia se confundir com o artigo e por isso o acento é de praxe: à evidência, estou à disposição, fique à vontade, encontra-se à paisana, à espreita, escreve à perfeição, vive à toa, o cão anda à solta, cumpriu o trato à risca, navegarà vela, apanhar (flores) à mão, escrever à caneta, cortar à faca ou à gilete, falar à boca pequena [em voz baixa], provou o casoà saciedade [plenamente], tomou a injeção à força, amor à primeira vista, assalto à mão armada, modéstia à parte, às(ou a) expensas etc.
É facultativo o acento indicativo de crase quando não há confusão possível: carro a gasolina, barco a vela, matou o cachorro a bala, guardar o dinheiro a chave etc.
É obrigatório o acento quando o substantivo está no plural e o artigo também: às vezes sai às pressas, está tudo às mil maravilhas, às avessas, estou às ordens, comprou bugigangas às centenas etc. Por oportuno: jamais acentuar o A sem S diante de plural: a duras penas, a prestações etc.
É obrigatório o acento quando a locução é formada com adjetivo – singular ou plural: bife à milanesa, lasanha à bolonhesa, agir à louca, ficar às escuras, comer às escondidas, falar às claras, vivem às tontas, prega a revolução às abertas [abertamente] etc.
Também levam acento obrigatório as locuções femininas terminadas em DE e QUE: à custa de, à força de, à frente de, à mercê de, à testa de, à semelhança de, à proporção que, à medida que.
Por fim, é obrigatório o acento nas locuções circunstanciais femininas de tempo e lugar em que de fato se tem A + A, o que se comprova com a substituição do primeiro A por outra preposição. (Vale lembrar que À corresponde a da, na, pela, para a e A corresponde a de, em, por, para.) Assim, temos: à beira do caminho, à beira-mar, à época, à direita,à esquerda, irà frente, combateram à sombra, bater à porta etc. Em todas elas, pode-se trocar o A por na: na beira-mar, na época, na frente... Sobre esse uso, ver Não Tropece na Língua 297.
Anoto ainda que a locução à distância mereceu comentário especial: ver Não Tropece na Língua 149