A virada do soneto
Por Bráulio Tavares Em: 18/07/2015, às 20H15
[Bráulio Tavares]
O soneto já foi um símbolo da poesia brasileira. Virou sinônimo de parnasianismo, bacharelismo vazio, salões de festa. O ícone da poesia engessada, vestindo sobrecasaca, cartola e pince-nez. No entanto, poetas de temperamento menos pomposo, como Manuel Bandeira, Drummond, Vinicius de Morais, Marcus Accioly, Glauco Mattoso, quebraram qualquer elo que pudesse existir entre a forma “soneto” e a temática ou inflexão parnasiana. Em todo caso, o soneto está muito longe de ser um modelo já esgotado. Brian Staveley (num artigo aqui: http://tinyurl.com/qzfom2m) lembra uma teoria interessante, e que tem certo fundamento.
Ele diz que o que caracteriza formalmente o soneto é ser composto de 14 versos, que podem vir dispostos em blocos de 4-4-3-3 linhas, no modelo italiano, ou 4-4-4-2, no modelo inglês. Mas o soneto tem um componente essencial, que é a virada (“the turn”). É uma mudança perceptível na narração, exposição, reflexão, que vinha sendo feita até então, uma virada que leva o poema noutra direção. Segundo ele, no soneto italiano essa virada ocorre entre o oitavo e o nono versos; no inglês, entre o décimo-segundo e o décimo terceiro.
O artigo dá exemplos de bonitos sonetos de Edna St. Vincent Millay onde vemos o soneto ter um enunciado contínuo ao longo dos dois quartetos, e, ao passar para o primeiro terceto, mudar de ponto de vista, ou mudar para um segundo termo de comparação, mudar a enunciação vocal... Ocorre nesse ponto uma virada, de variada natureza, no que vinha sendo dito. E de fato no soneto inglês essa relação rítmica entre as estrofes faz com que as três quadras iniciais tenham um enunciado “A” e as duas linhas finais fornecerem o enunciado “B”. Não é uma regra geral: mas não é difícil achar exemplos, pois é um recurso frequente, uma maneira de evitar a monotonia pela repetição de estrutura.
Sem ser obrigatória, a “virada” é característica. Pegando a obra de um sonetista de primeiro time como Augusto dos Anjos, vemos essa dobrada-de-esquina bem clara em sonetos como “O Morcego” (em “Pego de um pau. Esforços faço...”), “Idealismo” (“Pois é mister que para o amor sagrado...”), “Soneto II ao pai” (“E saí para ver a natureza!”), “Versos íntimos” (“Toma um fósforo. Acende teu cigarro!”). São momentos em que o fluxo do poema nitidamente sofre um corte cinematográfico, vira uma esquina noutra direção. A divisão do soneto em quatro estrofes cria essa pausas artificiais (impostas pelo modelo) que podem se tornar pausas naturais, ou “quebras” naturais, que servem ao poeta como sinalizadores do momento melhor para a entrada de um novo elemento, uma nova idéia ou emoção.