Cunha e Silva Filho


                          A respeito desta outra edição Flip, realizada em Parati, Rio de Janeiro, li que alguns escritores que delas têm participado andam se queixando e com razão de que em geral o que mais está ficando evidente é que o público tem  dado mais atenção, não à leitura dos livros que estão sendo lançados por ocasião do Festival Cultural, mas do espetáculo em si rodeando as figuras de autores, suas performances de bom expositor ou sua facilidade de seduzir com suas palestras ou falas o auditório, pois este está mais estimulado a ouvir o que  os autores dizem sobre literatura, sobre os processos criativos de escrever  um romance ou de um livro de poesia do que pelo  desejo  de ler e mesmo comprar as obras ali oferecidas de autores nacionais e estrangeiros. 

                      Dois deles, pelo menos, sinalizaram com essa mesma queixa dando a entender que estão cansados de desempenhar mais o papel de expositores ou de exibir seus dotes de captar a atenção do público do que de levarem este à efetiva leitura dos livros comentados.Em outras palavras, o que tais autores deixam escapar é que falar sobre a sua obra ou sua técnica narrativa já está se tornando cansativo. Eu aproveito estas dicas para afirmar que os autores que pensam assim estão com razão .
                      E mais: não acho que relatar as próprias formas de compor uma obra de ficção ou de fazer poemas possa ser tão útil assim a qualquer leitor, inclusive até sou levado a pensar que os próprios escritores talvez, em muitos casos, não gostem de confessar em público sobre seus “processos de criação ficcional.” Há certos aspectos da criação literária que o autor guarda para si mesmo, como uma espécie de segredo íntimo, inconfessável, que não conviria revelar. No entanto, da parte de um determinado público constitui sempre uma grande curiosidade saber como se origina mesmo uma obra literária, como se desejasse com isso aproveitar-se das lições dos criadores algumas centelhas de vias de acesso ao por vezes denominado “mistério” da criação ou do imaginário que serviriam a potenciais candidatos a escritores.
                      Caberia lembrar aqui a definição de “poeta” nos já famosos versos de Fernando Pessoa de que o poeta é um ‘fingidor,” que se estenderia não só à poesia mas também a todos os gêneros literários que trabalham com a arte da palavra na sua expressão estético-criativa.
                     Do que concluí dos desabafos dos escritores – e vale destacar – todos eles das novas gerações foi o seguinte: todos indistintamente aspiram a ver as pessoas lendo as obras e não se preocupando apenas com o lado edulcorado ou o charme das apresentações de autores que enfrentam um público ávido da, diga-se assim,  espetacularidade do evento literário e não da necessidade de conhecer o que os novos livros exibidos nas feiras contêm de conhecimento da vida e dos homens, i.e., das questões colocadas para discussão no que concerne aos desafios do mundo social, da História da humanidade, das condições de vida de um povo, dos seus anseios e dificuldades, vistos no se espaço regional ou universal, não importa.
                    Ler as obras me parece ser o nó górdio das preocupações dos autores. Fazer as pessoas lerem o que escrevem,  eis,a meu ver, toda a inquietação desses autores. Alguns deles chegam mesmo a pensar em dar algum tempo a tais eventos a fim de que possam, por assim dizer, afastar-se um pouco dessa forma superficial de estar sempre disponível a fazer o papel de celebridade, de justificar sua condição de autor, de revelar sua fórmula individual de produzir obras. Aquela antiga “aura” que distinguia as obras literárias ou de outra natureza artística, que se desfez na era da “reprodutibilidade técnica"  de que fala o crítico e filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), já atingiu seu ponto mais alto de exaustão com todas as consequências boas ou más.
                    Não é que esteja advogando a volta à torre de marfim de tempos envelhecidos e inatuais.
Contudo um pouco de reclusão voluntária e saudável com o objetivo de repensar novas investidas no campo da criação literária, seja em experiências inovadoras de construção ficcional, poética ou dramatúrgica, seja no adensamento de novos temas a serem explorados, faz-se necessária e imperiosa sob pena de se transformar a figura do escritor em mero “entertainer” de auditórios aficionados do fetiche da compra ou por vezes da simples frivolidade como forma de derivativo socialesco sem compromisso com o efetivo ato de abrir uma livro comprado e fruir o prazer democrático proveniente de sua leitura como insuperável forma de conhecimento, de formação crítica e aperfeiçoamento cultural.
                 Se esses novos autores andam assim pensando é porque a experiência que os festivais tem lhes ensinado já deu demonstração de que algo de inovador deve ser feito para que o verdadeiro compromisso dos escritores, que é fazer aumentar o número de leitores e assim dinamizar o processo de leitura como hábito a ser adquirido o mais cedo possível e mantido ao longo da vida de cada um. Se objetivos desta natureza forem alcançados, ganharão os autores profissionais, ganharão os editores e os livreiros, e o livro, mesmo tendo perdido sua “aura,” continuará exercendo a sua função precípua: a de fazer circular o conhecimento não apenas no país mas também ganhando o mercado exterior, tornando a . literatura brasileira mais conhecida e, quem sabe, mais apreciada em âmbito mundial.