As engrenagens representam o princípio da vida do mundo, quando uma coisa puxa outra, um fato arrasta o outro, num contínio fluxo de interdependência, como aquilo que se engrena no despertar do dia. Um clássico poema, "Tecendo a manhã", de João Cabral de Melo Neto, sabe dizer o de que falo: a vida da engrenagem que nos envolve e enreda na sua trama causal. Um grito aqui faz nascer o mundo todo que se levanta, nordestina, luminosa, cabralina.
Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.