A política é o campo privilegiado da mentira. Ou em outros termos: a verdade dos que militam na arte de governar... se ouvirmos e lermos atentamente suas declarações, notas oficiais, discursos, entrevistas, é apenas a última versão de um relato mal relatado.

O conceito clássico de mentira é dizer o contrário do que se está pensando, com a intenção de enganar os outros. O jornalista Luiz Cláudio Cunha, em 2005, com a autoridade de quem votou três vezes em Lula para que chegasse à presidência, escreveu com todas as letras: “o sr. Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva é um mentiroso”.

Esqueçamos os detalhes. Virgens, na zona, só as que são do signo, como diz a piada. O que aconteceria se Lula não mentisse? Imaginemos a cena. Toda a mídia convidada. Coletiva na Granja do Torto para desentortar histórias: “Efetivamente, eu sabia de tudo, e sei mais ainda. Querem ouvir a verdade?”.

Voltemos aos arquivos do passado. O Google (que Deus proteja esse instrumento de pesquisa!) pode levar-nos em um minuto a documentos jornalísticos modestos, mas significativos. O Jornal do Commercio (Recife, 5 de maio de 1998) registrou:

O provável candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu o saque de comida por parte dos flagelados da seca e acusou o presidente Fernando Henrique Cardoso de ser “demagogo” e “mentiroso”, durante visita a duas das cidades do Ceará mais atingidas pela seca: Jaguaruana e Quixeramobim, localizadas na região do sertão central.

O candidato Geraldo Alckmin afirma e reafirma: “No meu governo não teve ladrão”. E agora? Como duvidar da frase repetida com tanta seriedade? Ou terá a frase ficado incompleta: “... não teve ladrão que deixasse pistas...”? E quem disse o que mesmo sobre a Nossa Caixa? E que outras caixas-pretas haverá que precisariam ser abertas?

Outro caso. Criticou-se José Serra por ter mentido e rompido o compromisso de não disputar outro cargo antes de cumprir o mandato de prefeito de São Paulo. Serra até assinou documento, jurando que não abandonaria a prefeitura. Mentiu, e será eleito governador.

As pernas da mentira cresceram. É difícil alcançá-la. Jornais, TV, sites, blogs divulgam as versões de uns e outros. Já não sabemos quem está mentindo melhor. Ou melhor... mente com maestria aquele que consegue nos enganar (consegue?), dizendo verdades.

 

Gabriel Perissé é doutor em educação pela USP e escritor.