A verdade da poesia

Rogel Samuel

Diz Emmanuel Carneiro Leão que não há verdade fora “da envergadura da comunhão da poesia”, no âmbito do logos, mythos e épos. O filósofo diz que toda criação é “atropelada” por si mesma, pois se dá “numa irrupção” – e é a própria poesia que explode e dá sentido a seu logos, à sua linguagem – “a arte não é a margem, nem o leito, mas a correnteza”.

Cita ele que Zaratustra apregoava que “o homem é uma ponte, não um ponto final” e só há ponte quando existe uma travessia, uma transversalidade, uma ultrapassagem, um avançar, um impulsionar e um transpor de uma situação que se estagnou para uma nova área, um novo patamar, o certo residir do imprevisível mas previsto, algo que estava em latência e que de repente eclodiu numa irrupção vulcânica e incontrolável. Por isso o poeta se anula para dar lugar ao ponto em que nasce a linguagem da poesia que o ultrapassa e impõe. Todo poeta é apenas um profeta, ou seja, aquele que deixa falar por sua boca aquilo que já está lá mas ninguém ouviu, ninguém viu, ninguém soube. O poeta se retrai e quem toma a vez é a poesia.

Depois do “advento” da poesia - e feliz é aquele que sabe deixar falar a linguagem, o logos da poesia – como escreveu Archibald Macleish,



Haverá pouca coisa a esquecer:
o vôo dos corvos,
uma rua molhada,
o modo do vento soprar,
o nascer da lua, o por-do-sol,
três palavras que o mundo sabe,
pouca coisa a esquecer.

Será bem fácil de esquecer.
A chuva pinta
na argila rasa
e lava lábios,
olhos e cérebro.
A chuva pinga na argila rasa.

A chuva mansa lavará tudo:
O vôo dos corvos
o modo do vento soprar
o nascer da lua, o por do sol
lavará tudo, até chegar
aos duros ossos desnudados,
e os ossos, os ossos esquecem.


(Trad. Manuel Bandeira)

Livros antigos de Rogel Samuel: