Ele se predispõe: «Posso escrever os versos mais tristes esta noite», diz, e pode, que produziria versos tristes como a noite, mas a noite não está triste, a noite está estrelada, sim, «e tiritam, azuis, os astros, à distância».

Há algo muito distante, lá longe, nos astros, na distância das estrelas. Na realidade, distante está o Amado de amar: «Eu a quis e por vêzes ela também me quis.»

Exercendo o que mais o lirismo sabe fazer, ele se lembra: «Eu a tive em meus braços em noites como esta. / Beijei-a tantas vêzes sob o céu infinito.»

Sim, perdida está, seu lirismo, sua lembrança, «Ela me quis e às vêzes eu também a queria.»

Mas esta estranha palavra, essa estranha temporalidade, o que se interpõe: «às vezes». E o poema continua, sempre nas suas mudanças de humor, na bela tradução de Domingos Carvalho da Silva:


«Como não ter amado seus grandes olhos fixos?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E desce o verso à alma como ao campo o rocio.

Que importa se não pôde o meu amor guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.»


Pablo Neruda nunca foi tão simples, nunca tão perfeito, tão clássico como neste poema, o «20» dos «Vinte poemas de amor», de 1968.

Lá, parece que o Amado só se apercebe de que ela se foi quando a perdeu. Não a vê de perto, em si, há referência a uma mulher-lua, a um luar:

«A mesma noite faz branquear as mesmas árvores.
Já não somos os mesmos, nós os de outros dias.»

Esta obra da juventude de Neruda, que tinha 20 anos. Ele teve diversos amores em vida, as mais conhecidas foram Maria Antonieta Hagenaar, que ele conheceu na ilha de Java, Maria Del Carril e Maria Matilde Urrutia. O poema se encontra no seu livro «Veinte Poemas», seu mais popular e famoso livro, de 1924, que vendeu mais de um milhão de exemplares. Afinal, em 1971, Neruda ganha um Prêmio Nobel.
Mas o livro é a leitura preferencial, ideal de todos os jovens (e velhos) amantes do mundo inteiro em todas as línguas, pois para quase todas foi traduzido.
Em 1950, Neruda produziu seu CANTO GENERAL, monumental obra com 340 poemas, quando tematiza a América Latina, sua luta, sua pobreza, sua libertação. Lá se encontra o famoso poema «Alturas de Macchu Picchu», escrito depois de sua visita às ruínas de Macchu Picchu, em 1943. Ali ele se torna a voz dos povos Incas que ali viveram, que ali foram dizimados.

No poema 20, dos « Veinte Poemas», o amado está confuso, ela já não o ama, é isto o que verdadeiramente dói, apenas ele está triste porque ela não está ali: porque ela existia ali ele será capaz de entristecer-se, porém já não a ama, «talvez a queira», não sabe, porque o amor é breve, longo é o esquecimento do amor.
Afinal ele se desespera por havê-la perdido, mas sente e sabe o caso perdido, terminado, e que aqueles versos serão os últimos e que aquela dor será a última dor que ela lhe cause.
O mais é o espaço amplo da noite, as estrelas ao largo, o vento da grandeza escura, a solidão estelar onde será possível escrever os versos mais tristes, pensar que ela será de outro, para justificar o perdê-la, para justificar o não saber amá-la, porque o amor só ama o amor, e a voz que soa nos seus ouvidos dela são para o eco de si mesmo, aos seus olhos infinito

«Já não a quero, é certo, quanto a quis, no entanto.
Minha voz ia no vento para alcançar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.

Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
Ai, é tão breve o amor e é tão extenso o olvido.

Porque em noites como esta eu a tive em meus braços,
minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Mesmo sendo esta a última dor que ela me cause
e êstes versos os últimos que eu lhe tenha escrito. »