A tragédia grega
Por Bráulio Tavares Em: 03/05/2006, às 21H00
O termo “tragédia grega” sempre nos recorda a tragédia de Édipo Rei. Não é a única, mas é a mais conhecida. Para muitos, o núcleo dessa tragédia é o fato de que Édipo mata o próprio pai e casa com a própria mãe. Não nego que isto seja uma sinuca de bom tamanho, e aí está o mestre Freud que criou toda uma biblioteca em cima deste inusitado conflito. Mas para mim a expressão “tragédia grega” indica um tipo diferente de desgraça: é a luta inútil contra o Destino.
Recordando: os reis de Tebas, que são Laio e Jocasta, têm um filho mas ficam sabendo de uma profecia terrível: esse menino um dia irá matar o pai e casar com a mãe. Horrorizados, mandam matar a criança. O servo encarregado da execução fica com pena e leva a criança para outra cidade, onde ele é adotado por um casal que não tem idéia de sua origem. Quando Édipo cresce, o oráculo é consultado a seu respeito, e a profecia é repetida. Ele fica apavorado com a possibilidade de matar seu pai e sua mãe, e foge. Foge pra onde? Justamente para Tebas, onde, sem saber, acaba matando Laio e casando com Jocasta.
Tragédia grega é aquela tragédia inevitável por mais esforços que a gente faça. “Édipo Rei” lembra a estrutura de uma história também antiga e com centenas de variantes. A versão que conheço se chama “Encontro em Samarra”. Um sujeito está na cidade de Damasco, e ao andar na rua vê a Morte caminhando na calçada oposta. Com medo de que ela esteja à sua procura, ele pede um cavalo emprestado a um amigo e anuncia que está fugindo para Samarra, onde deve chegar ao anoitecer. Quando passa a galope pela rua, a Morte o avista e faz um gesto de surpresa. Alguém que está do lado pergunta o que foi, e a Morte diz: “Aquele ali não é Fulano de Tal? Que coisa estranha vê-lo aqui em Damasco! Tenho um encontro marcado com ele em Samarra, hoje à noite!”
Assim é o Universo para as pessoas que acreditam no Destino, no “maktub” dos árabes, no “estava escrito nas estrelas”. O mundo onde existe o Destino é o mundo da tragédia grega. Nele não há lugar nem para o Acaso nem para a Sorte nem para a Liberdade nem para o Livre-Arbítrio. Tudo está previsto, tudo está decidido, tudo, num certo sentido, “já aconteceu”, e nós estamos apenas nos encaminhando rumo ao dia em que aquele fato inexorável espera por nós.
Dizem os psicanalistas que quanto mais a gente foge a um assunto que nos incomoda mais este assunto aparece à nossa frente. É o “retorno do reprimido”. Se temos um problema, não adianta fugir para a cidade vizinha. Quando chegarmos lá vamos ver que o problema chegou antes, e está esperando por nós na Rodoviária. É como aqueles monstros, alienígenas, ou serial-killers dos filmes americanos: o sujeito mata, sai pra comemorar,. e quando menos espera o monstro está vivo de novo. A tragédia grega é a história da inutilidade dos esforços humanos para se contrapor à vontade dos deuses. Tudo que os deuses querem que aconteça já aconteceu, e estamos conversados.
Publicado originalmente no Jornal da Paraíba