A terrível distopia "Soylent green"
Por Miguel Carqueija Em: 20/10/2013, às 18H31
A TERRÍVEL DISTOPIA “SOYLENT GREEN”
Miguel Carqueija
Ficção científica produzida nos EUA em 1973, último filme interpretado por Edward G. Robinson (no papel de Sol Roth), que faleceu em 26 de janeiro daquele ano, “Soylent green” passou no Brasil com o título “No mundo de 2020” (em algumas capas de DVD, “No mundo de 2022”) e em Portugal como “À beira do fim”.
É uma distopia apavorante, baseada em obra do conhecido escritor Harry Harrison. O salto de 50 anos para o futuro já não parece justificar uma transformação tão brutal da sociedade. Na visão desta fita, a Nova Iorque de 2022 tem 40 milhões de habitantes que em sua maioria vivem pelas ruas e dormem ao relento esparramadas pelas escadas. Para entrar e sair de casa o policial Robert Thorn (Charlton Heston, grande como de hábito) tem de se esgueirar entre o populacho deitado nos degraus. A civilização está transtornada e praticamente não há mais comida normal; só bolachas à base de soja e algas. A multidão, sem emprego nem teto, recebe gratuitamente seu quinhão de “soylent” produzido pela mega-corporação do mesmo nome (uma coisa poderosa e avassaladora como a Umbela de “Resident evil”).
Thorn não é um herói típico. É até meio cafajeste, pois se aproveita da sua condição de tira para saquear as casas onde penetra afim de investigar, levando comida (coisa que, pela raridade, se tornou valiosíssima!) e até uma colher (deduz-se que as indústrias já não funcionavam normalmente).
Chega a ser cômica a cena em que Thorn e seu idoso parceiro Sol fazem um “banquete” com os magros itens que o primeiro traz da residência do ricaço assassinado, Simonson (Joseph Cotten), um dos dirigentes da Soylent Corporation. Sim, porque só os ricos e poderosos ainda tinham acesso a alimentos normais (legumes, verduras, frutas, carnes). É patética a cena de Sol chorando diante de um reles pedaço de carne de vaca, ou a alegria demonstrada com duas maçãs mixurucas e uma alface.
A decadência social da mulher, num mundo onde a família parece ter desaparecido (onde estão as crianças?) se evidencia na condição das moças que moram em residências de homens abastados, como “mobílias” (sic). Quando Simonson morre a sua “mobília”, Shirl (Leigh Taylor-Young), apega-se a Thorn e quer ir embora com ele. Thorn, porém, lembra a ela que não há para onde ir: todas as cidades são iguais e as fazendas são fortificadas, vigiadas. Afinal, é de lá que sai a comida para as elites, enquanto a massa cada vez mais consome o “soylent green” à base de algas marinhas.
Nesse mundo impiedoso, em que pás mecânicas são usadas para conter os motins populares, há porém um grande e terrível segredo: algo tão chocante e escabroso que aqueles que o descobrirem serão caçados implacavelmente.
“Soylent green” não mostra outros locais além de Nova Iorque, mas dá a entender que a devastação do meio ambiente é global. Não se vêem mais animais, de estimação ou não; não aparecem escolas; há um padre, mas esquisito e impotente diante da verdade. Existem policiais. A infra-estrutura da civilização, porém, está destruída e com ela a decência e a solidariedade. Quando Thorn assiste um documentário que mostra a vida natural — o que existira no mundo — fica profundamente abalado: “Como eu poderia imaginar?”
“Soylent green” é um profundo e doloroso grito de alerta à consciência da humanidade, grito afinal pronunciado pelo anti-herói agora transformado em herói desesperado: “O próximo passo será nos criar como gado para servir de alimento!”
Enfim, “Soylent green” é um excelente trabalho dos produtores Walter Seltzer e Russel Thacher e do diretor Richard Fleischer.
Rio de Janeiro, 20 de abril a 7 de maio de 2013.