A técnica do romance em Graciliano
Em: 23/04/2016, às 19H05
[Raimundo Carrero]
Além da técnica do romance, que cultivou com incrível obstinação conforme afirma em artigos e entrevistas, sobretudo nos livros Linhas tortas, Conversas com Graciliano e Garranchos, o escritor Graciliano Ramos, um dos mais sofisticados da América Latina, era um inquieto experimentalista, sempre procurando encontrar fórmulas novas para escrever seus textos. É verdade que não gostava das metáforas, por motivos mais políticos do que estéticos, nem admitia o planejamento rigoroso e inalterado da obra de ficção, considerando, no entanto, as questões íntimas do romance que chamava de “elementos essenciais da narrativa”.
A crítica sempre procurou passar a ideia de um Graciliano fechado, zangado e difícil, sem abertura para o novo e para a vanguarda. O que não é verdade, em absoluto. Ele experimentava muito, aliás, experimentava demais. No artigo “Visões de Graciliano Ramos”, por exemplo, Otto Maria Carpeaux destaca que a estreia do alagoano “excepcionalmente tardia, com mais de quarenta anos, deve ter sido precedida de vagarosos preparativos de um experimentador, e depois continuou a experimentar sempre. O nosso amigo comum, Aurélio Buarque de Holanda chamou-me a atenção para a circunstância de cada uma obras de Graciliano Ramos representar um tipo diferente de romance. Com efeito,Caetés é de um Anatole France, S. Bernardo é digno do Balzac, Angústia tem algo de Marcel Jouhandeau, e Vidas secas algo dos recentes contistas norte-americanos.” Uma constatação no mínimo revolucionária porque revela a busca incessante de Graciliano para encontrar sua voz, seu ritmo, sua pulsação, e desmonta a ideia de um escritor sempre linear, sempre repetitivo, sempre lógico.
Mas isso é incompreensível porque o autor sempre indicou, em artigos, os caminhos de sua obra, visto apenas como conteudística, uma espécie de manifesto sobre os sertanejos e o seu destino no dorso do mundo. O que impressiona muito porque Vidas secas é uma obra revolucionária, a partir da distribuição de capítulos. A respeito da criação deste livro, Graciliano revelou como compôs os personagens: “Os meus matutos são calados e pensam pouco. Mas sempre devem ter algum pensamento e isto é o que me interessa. Não gastei com eles metáforas ruins que o Nordeste infelizmente produz com abundância. Também não descrevi o pôr do sol, a madrugada, a cheia e o incêndio, que são obrigatórios.”
Além de rejeitar esses elementos narrativos que ele chamava de folclóricos e exibicionistas, Vidas secas ainda apresenta um elemento narrativo fortemente revolucionário não conhecido na prosa de ficção brasileira: o personagem inominado. Assim nascem o menino mais velho, o menino mais novo e o soldado amarelo, além do animal que pensa: a cadela Baleia. Um avanço extraordinário, que fez o romance brasileiro atingir um novo patamar. No lançamento o livro foi muito aplaudido, mas as inovações literalmente desconhecidas, até por causa da disputa que havia entre o Regionalismo e o Modernismo, destacando-se equivocadamente que Graciliano seria regionalista.
Mesmo, a qualidade mais destacada do livro é a criação do “romance desmontável”. Ele mesmo explica: “A narrativa foi escrita sem ordem. Comecei pelo nono capítulo. Depois vieram o quarto, o terceiro, etc. Aqui ficam as datas em que foram arrumados: ‘mudança’, 16 de julho; ‘fabiano’, 22 de agosto; ‘cadeia’, 21 de junho; ‘sinhá Vitória’’, 18 de junho; ‘o menino mais novo’, 26 de junho; ‘o menino mais velho’, 8 de julho; ‘inverno’, 14 de julho; ‘festa’, 22 de julho; ‘baleia’, 4 de maio; ‘contas’, 29 de julho; ‘O soldado amarelo’, 6 de setembro; ‘O mundo coberto de penas’, 27 de agosto; e ‘fuga’, 6 de outubro”. Confirma-se, dessa forma, o experimentalismo e a técnica na obra magistral de Graciliano Ramos.
Em artigos esparsos, Graciliano também destacou uma poética de romance, revelando a importância fundamental do personagem no centro da narrativa. Eis os três pontos relevantes da poética de Graciliano:
1 – Personagens
Este é um dos pontos mais importantes da criação literária do autor de Angústia. Os personagens somos nós. E o autor deve mostrar a reação do personagem na cena e não apenas registrar o exterior.
2. Cenas e cenários
As cenas são decisivas, mas os cenários são dispensáveis. Caso existam, cabe ao narrador permitir que o personagem os interprete;
3. Diálogos
Os diálogos devem ser simples e objetivos, próximos da realidade, mas sem imitação.
Graciliano frequentemente escrevia textos para colunistas literários, revelando suas preocupações técnicas. Esses textos agora estão reunidos nos livros Conversas com Graciliano Ramos e Garranchos. A respeito de criação de personagens, recomenda-se a leitura do livro Viventes das Alagoas, onde se destacam os caboclos Libório e Ciríaco. Impressiona o fato de um escritor criado no Sertão das Alagoas tenha tido ideias tão sofisticadas a respeito do romance moderno e contemporâneo