A saudade da vida na Idade da Pedra
Por Flávio Bittencourt Em: 29/09/2011, às 00H29
[Flávio Bittencourt]
A saudade da vida na Idade da Pedra
Marlene Zuk, professora de biologia na Universidade da Califórnia, explica o fenômeno da paleofantasia.
ESCREVEU O PROF. MARCO POLO T. DUTRA P. SILVA:
"(...) Na África não se acharam neandertais e o H. Erectus teve sequência no H. Sapiens Sapiens.
O Homo Sapiens Neanderthalensis viveu na Europa e Oriente Médio aproximadamente entre o interglacial Riss-Würm e o glacial de Würm. Seus restos são datados entre 45 e 29 mil anos atrás. Não se sabe se ele surgiu como uma evolução do H. Heidelbergensis ou como resultado da chegada de novas populações da África e do Oriente Médio. Seus exemplares mais antigos mostravam semelhanças anatômicas com o H. Erectus, embora os ossos frontal e occipital se assemelhassem aos dos humanos.
Aqueles da época da glaciação de Würm, encontrados na Europa em sepulturas intencionais, são chamados de neandertais clássicos. Eles que se desenvolveram isoladamente, fechados pelas geleiras alpina e do norte.
Na Ásia, restos fósseis contemporâneos aos neandertais foram achados no Oriente Médio, no Curdistão, no Uzbequistão, na China e em Java e mostram criaturas menos semelhantes entre si que os exemplares europeus. Escavações comprovam que na Ásia, já no início do Pleistoceno Superior, os paleântropos locais já haviam se destacado do tronco dos europeus. (...)"
(http://www.marcopolo.pro.br/historia/geral_PleistSup.htm)
Homo Sapiens Neanderthalensis
(http://www.marcopolo.pro.br/historia/geral_PleistSup.htm)
"(...) Os neandertais clássicos tinham altura girando em torno de 1,60 metros e eram atarracados, uma solução anatômica para reduzir a área de resfriamento e o corpo preservar calor. Suas narinas largas também esquentavam os ares que se dirigiam aos pulmões.
Sob as sobrancelhas, tinham ossos largos e proeminentes, uma característica singular dessa raça.
O crânio dos neandertais clássicos eram praticamente do tamanho do dos homens modernos, com volume médio de 1.450 cm3. Porém a organização do seu cérebro era certamente diversa, não dando margem a abstrações e deduções. Isso se apresenta na pouca variação de sua indústria ao longo dos milênios.
A exemplo de seus predecessores, viviam tanto em tendas a céu aberto quanto sob abrigos formados por rochas salientes ou em cavernas.
cabana paleolítica em Molodova (Ucrânia) |
Onde a caça era mais abundante eles também se tornavam mais sedentários. Ali construíam vivendas permanentes, como nos vales médios do rio Dniestr, onde são identificadas estruturas habitacionais feitas de ossos de mamute. Em Trécassats, na Vancluse, as moradias se espalham por um terreno de 60 hectares, em grupos de cabanas afundadas no terreno arenoso. Em Fontmaure, Viena, um aglomerado de cabanas se distribui em uma superfície circular de 840 m2, circundada de oficinas líticas. Nas grutas, o caráter permanente também é observado em Perch l'Azé, em Roc en Paille (no Maine-et-Loire) e na gruta de Raj (Polônia). (...)"
(MARCO POLO T. DUTRA P. SILVA,
http://www.marcopolo.pro.br/historia/geral_PleistSup.htm)
"(...) Será que nossos ancestrais das cavernas sentem nostalgia pelos dias antes de se tornarem bípedes? (...)"
(MARLENE ZUK, DA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA (EUA), EM ARTIGO CUJA TRADUÇÃO
ADIANTE ESTÁ TRANSCRITA, NA ÍNTEGRA, PUBLICADO PELO NYT)
AGRADECENDO AOS DOUTOS PESQUISADORES
MARCO POLO T. DUTRA P. SILVA,
MARLENE ZUK E
LESLIE AIELLO PELA TRANSMISSÃO,
EM LINGUAGEM COMPREENSÍVEL
AO GRANDE PÚBLICO, DE INFORMAÇÕES
PALEONTOLÓGICAS, ARQUEOLÓGICAS E DO ÂMBITO
DA ANTROPOLOGIA CULTURAL, DO FRANCO INTERESSE DE
TODOS OS QUE SE INTERESSAM POR QUESTÕES
RELATIVAS À PRESENÇA REMOTA DE SERES
(ATÉ CERTO PONTO) RACIONAIS, PRÉ-HUMANOS,
PRÓXIMOS AOS HUMANOS (os neandertais) E
"JÁ-HUMANOS" QUE, DE FORMA TURBULENTA,
LABORIOSA E, MUITAS VEZES, SOFRIDA,
NOS ANTECEDERAM NA AVENTURA DA
EXISTÊNCIA SOBRE O PLANETA TERRA
29.9.2011 - Marlene Zuk, professora de biologia na Universidade da Califórnia, explica o fenômeno da paleofantasia - A saudade da vida na Idade da Pedra. F. A. L. Bittencourt ([email protected])
PORTAL BOL -
UOL NOTÍCIAS,
jan. / 2009:
"22/01/2009 - 19h46
Bióloga explica fenômeno da 'paleofantasia', a saudade da vida na Idade da Pedra
Por Marlene Zuk*
The New York Times
Filmes como "10.000 a.C." são populares porque apelam à nossa sensação de que a vida costumava estar mais em sintonia com o meio ambiente. Uma charge recente mostra uma daquelas progressões evolucionárias - de macaco para homem caminhando ereto, para homem encurvado na frente de um computador - com a legenda: "Em algum lugar, algo deu terrivelmente errado."
Talvez nossas tristezas apareçam porque nossos genes da Idade da Pedra sejam lançados na vida da Idade Espacial. Aquela barriga de cerveja? É de comer muitos carboidratos processados; nossos corpos evoluíram para comer somente comidas não-refinadas, principalmente carne, e nós saímos do equilíbrio desviando de nossa dieta ancestral.
Alergias alimentares e sofrimentos digestivos? Nós, como os outros mamíferos, não deveríamos consumir laticínios após a amamentação. Quando os políticos caem em desgraça após cometer adultério, algum comentarista invariavelmente apontará que esse comportamento tem raízes evolucionárias: os melhores procriadores não eram os machos-alfa com olhos vagos?
Para resumir, nós temos o que a antropóloga Leslie Aiello chamou de "Paleofantasia". Ela se referia a histórias sobre a evolução humana baseada em evidências limitadas de fósseis, mas o termo se aplica igualmente bem para a nostalgia aos dias muito antigos como um critério para a maneira que a vida deve ser, e por que ela às vezes parece tão fora de esquadro.
Como bióloga evolucionária, eu estava inicialmente cheia de entusiasmo pela ideia de uma falta de combinação moderna entre a vida cotidiana e nosso passado evolucionário. Mas uma análise mais detalhada revela que nem todas as ideias evolucionárias são criadas iguais; mesmo para darwinianos, o inferno está nos detalhes. A noção de que havia uma época de perfeita adaptação, da qual nós atualmente nos desviamos, é uma caricatura da maneira pela qual funciona a evolução.
Primeiro, quando exatamente foi essa era de harmonia, e como ela era? Recolher restos, ou comer carcaças de animais mortos deixados por (ou roubados de) predadores como leões, foi provavelmente substituído por caçar ativamente e acumular plantas selvagens cerca de 55 mil anos atrás, e a agricultura parece ter se iniciado há apenas 10 mil anos. Nós fizemos muitas coisas diferentes ao longo de cada uma dessas épocas.
Quanto da dieta no nosso idílico passado de caçadores era carne, e que tipo de plantas e animais eram usados, variavam amplamente com o tempo e espaço. Inuits tinham dietas diferentes dos aborígenes australianos ou habitantes das florestas Neotropicais. E sabemos pouco sobre os detalhes do início das estruturas familiares e outros aspectos do comportamento. Então, o argumento de que "devemos" comer certa proporção de carne, por exemplo, é altamente questionável. Qual de nossos ancestrais humanos estamos usando como modelo?
Porém, a dificuldade em usar nossas personalidades de caçadores-coletores como ícones de bem-estar vai muito mais além. Não é como se finalmente houvéssemos atingido a mais perfeita harmonia com nosso ambiente durante o Pleistoceno.
Em vez disso, a evolução se move em conjunto, com sucessivas gerações algumas vezes imutáveis, algumas vezes melhor adaptadas a seu ambiente em alguns pontos, mas não em outros. Em qualquer ponto, ocorre a adaptação: indivíduos que conseguem aguentar calor, frio ou fome deixam mais descendentes que seus colegas menos resistentes. Mas não existe um ponto onde alguém possa dizer: "Voilà! Terminou."
Será que nossos ancestrais das cavernas sentem nostalgia pelos dias antes de se tornarem bípedes? Será que os caçadores-coletores estavam convencidos de que tomar uma gazela de um leão era superior àquele negócio moderno de correr atrás dela você mesmo? E por que parar por aí? Por que não desejar ser aquático, já que a vida surgiu naquela área? Falando nisso, pode ser bom ser unicelular: afinal, o câncer surge porque nossos diferentes tecidos enlouquecem. Células sozinhas não desenvolvem câncer.
Você pode argumentar que os caçadores-coletores eram mais adaptados a seu ambiente simplesmente porque passaram muitos milhares de anos com ele - muito mais do que passamos sentados em frente a um computador ou comendo barras de chocolate. Isso é verdade para alguns atributos, mas não todos. A evolução não é o velho e enferrujado processo que costumávamos pensar. Cada vez mais, cientistas estão descobrindo que a taxa da evolução pode ser extremamente rápida ou lenta, ou qualquer grau de meio-termo.
Consuma laticínios, uma das clássicas comidas modernas que nós supostamente não deveríamos comer. A maioria das pessoas que não os tolera não tem um gene que confere a habilidade de quebrar a lactose, o açúcar do leite, após a idade de desmamar. Nossos ancestrais da Idade da Pedra tampouco podiam digerir o leite enquanto adultos, mas um recente estudo mostra que cerca de 5 mil anos atrás, mutações que mantêm esse gene ligado se espalharam pelo norte da Europa. Foi também nessa época que o gado começou a ser domesticado; ser capaz de consumir leite, assim como queijos de lactose mais baixa, seria vantajoso como fonte de nutrição e fluidos.
Interessantemente, a tolerância à lactose também é encontrada em algumas populações africanas; as mutações para isso são diferentes das encontradas em europeus, mas os resultados são os mesmos. Essa grande mudança na dieta - e nos genes - ocorreu num piscar de olhos evolucionário.
Nós nunca fomos uma combinação perfeita com o ambiente. Em vez disso, nossa adaptação é mais como um zíper quebrado, com alguns dentes que se alinham e outros que pulam para fora. O paleontólogo Neal Shubin aponta que nosso peixe interno compele o desempenho e a saúde do corpo humano, pois as adaptações que apareceram num ambiente nos complicaram em outro. Soluços, hérnias e hemorróidas são todos causados por uma transferência imperfeita de tecnologia anatômica de nossos ancestrais peixes.
Isso não significa dizer que não estaríamos melhor comendo menos alimentos processados. E certamente temos preocupações salutares que nunca atingiram nossos ancestrais. Mas não deveríamos nos flagelar por termos corpos modernos, e não deveríamos supor que corrigir a dieta ou a postura nos salvaria das doenças atuais. Isso é apenas uma paleofantasia sobre o futuro.
*Marlene Zuk é professora de biologia na Universidade da Califórnia, em Riverside, e autora de "Riddled with Life"
(http://noticias.bol.uol.com.br/ciencia/2009/01/22/ult4477u1281.jhtm)
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O TEXTO, SOBRE PALEONTOLOGIA
(ciência que estuda os fósseis)
E ARQUEOLOGIA (ciência que estuda
os vestígios culturais da existência,
em tempos pretéritos, de sociedades
humanas), ADIANTE TRANSCRITO,
FOI PRODUZIDO PELO JORNALISTA
REINALDO JOSÉ LOPES, que assim
se apresentou, em seu blog:
"Arqueologia é mais do que aventura cinematográfica ou coisa de viciado em livro poeirento: é uma ferramenta ímpar para entender o que a humanidade pode fazer consigo mesma e com o planeta. Meu nome é Reinaldo José Lopes e sou jornalista de ciência da Folha de S.Paulo. Leio grego antigo e já ajudei a desenterrar uma preguiça gigante em Minas Gerais. Na foto acima, testo a viabilidade bélica de um artefato da cultura Rohirrim (Terceira Era da Terra-média). Bem-vindo! "
"CHAPÉU, CHICOTE E CARBONO-14
Megafauna brasileira: difícil de caçar ou dura de de mastigar?
Reinaldo José Lopes
O registro fóssil e arqueológico da América do Sul, e em especial o brasileiro, abriga um enigma capaz de deixar qualquer um atônito. Os primeiros seres humanos a botarem os pés aqui conviveram por ao menos um milênio (e provavelmente por bem mais tempo) com mastodontes, preguiças gigantes, cavalos, ursos, lhamas. O Cerrado de 10 mil anos atrás era o Serengeti 2.0. Essa montanha de proteína animal não está mais entre nós, mas não existe NENHUMA evidência firme de que os primeiros brasileiros tenham se aproveitado desse banquete móvel. NENHUM indício de caça à megafauna. Alguém pode me explicar o porquê?
Esse velho mistério me veio à cabeça novamente depois de entrevistar o paleontólogo Leonardo Santos Avilla, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sobre seu interessante trabalho com os mastodontes de Araxá (MG). Ele me contou que tomografias feitas no que sobrou de um desses primos extintos dos elefantes revelaram um corpo estranho que pode ser uma ponta de lança. A ferida cicatrizou, o que significa que o paquiderme (também conhecido como gonfotério) não morreu daquilo.
A identificação ainda não é definitiva, mas seria o PRIMEIRO caso indiscutível de ataque de seres humanos aos monstros do Pleistoceno no Brasil. Isso quer dizer que a gente tem dados mais seguros sobre LARVAS DE BESOURO comendo mastodontes (a vértebra acima é um indício da ação desses carniceiros nas carcaças) do que sobre gente comendo mastodontes.
Para colocar tudo isso em contexto, é bom lembrar que existem alguns dados sobre o uso da megafauna como recurso alimentar e matéria-prima em Monte Verde, no Chile, há 12.500 anos (de novo, são mastodontes) e um ou outro exemplo na Argentina e nos países andinos. De resto, a América do Sul conta com pouquíssimos indícios de que os primeiros habitantes do continente (também conhecidos como paleoíndios) tenham caçado esses grandes mamíferos.
Clovis? Que Clovis?
A coisa é ainda mais estranha porque, na América do Norte, a chamada cultura Clovis (aparentemente a mais antiga, e certamente a mais bem conhecida, dessa fase inicial do povoamento) parece ter subsistido quase exclusivamente à base de picanha de mamute. A famosa ponta de lança Clovis, lindamente trabalhada e com uma ranhura especial para ser presa ao cabo de madeira, parece ser uma tecnologia especialmente projetada para a caça de grandes mamíferos (e muitas foram encontradas em meio às costelas de proboscídeos).
E por aqui… bem, por aqui existe só um punhado de pontas de lança paleoíndias. A imensa maioria dos artefatos é bem tosca, de feitura “expedita”, como se diz (lindo jeito técnico de indicar que o troço foi feito nas coxas). Mais importante ainda, os padrões de subsistência em lugares como Lagoa Santa (MG), mais famoso centro de ocupação paleoíndia do Brasil, mostram foco bem maior na coleta e na captura de animais pequenos, como tatus, preás e lagartos. Quem diabos ia preferir teiú no espeto a um filezão de preguiça gigante?
Acho difícil que os paleoíndios brazucas simplesmente não tivessem habilidade técnica para produzir sua própria versão de Clovis. Será que lhes parecia mais vantajoso investir numa estratégia do tipo “menos riscos, retornos mais seguros”, dedicando-se a caças menores? Finalmente, há até quem sugira a existência de alguma forma de tabu alimentar (totêmico? Religioso? Higiênico?) em relação às grandes feras. (Foi o que Walter Neves, bioantropólogo da USP, sugeriu-me certa vez.)
É claro que novos achados, como os do próprio Avilla, podem modificar esse quadro, embora eu duvide. Será que estamos falando só de um problema de tafonomia, ou seja, de preservação dos restos caçados, que teriam sumido ou se decomposto? Tá, mas para o continente inteiro? Improvável. Se alguém tiver uma luz por aí, pelamordeDeus me avise — ou um escreva um paper.
——
PS – Pois é, depois de um hiato vergonhoso, estou de volta. Pra valer, espero."
(http://scienceblogs.com.br/carbono14/2009/06/megafauna_brasileira_dificil_d/)