A saga da meia-elfa
Por Miguel Carqueija Em: 30/12/2016, às 19H50
A SAGA DA MEIA-ELFA
Miguel Carqueija
Resenha do romance “A filha do pastor das árvores”, de Gillian Summers. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro-RJ, 2011. Tradução de Flávia Carneiro Anderson. Copyright 2007 by Berta Platas e Michelle Roper (que assinam como Gillian Summers). Editora Flux, EUA. Título original: “The tree shepherd’s daughter”, volume 1 da série “O povo das árvores”. Capa: Raul Fernandes. Foto da capa: Felicia Simiou (Trevillian Images).
Este surpreendente romance, muito bem escrito, é o início de uma saga de fantasia que revela influência de Harry Potter, da inglesa Joanne Rowling. Keelie Heartwood (sobrenome altamente simbólico: coração de madeira), a nova heroína, tem 15 anos no início e, como Harry Potter, ignora os fatos da sua origem. Moradora de Los Angeles, em companhi da mãe separada, Keelie vê o seu mundo desabar de pernas para o ar quando Katherine morre num desastre de aviação. Agora ela terá de morar com o pai, Zeke, a quem precisará encontrar no extravagante “Festival da Renascença da Montanha Alta”, no Colorado. Revoltada contra o pai a quem sequer conhecia, Keelie tem desde o início de aturar as esquisitices das pessoas do lugar, com suas roupas exóticas.
O que ela ainda não sabe é que o pai é um elfo e ela própria uma meia-elfa, mestiça com mulher humana e dotada de crescentes poderes, como o de comunicar-se telepaticamente com as árvores. Keelie tem problemas de relacionamento até com o gato de pai, Knot; mas acaba adotando uma falcão cega de um olho, Ariel.
A personagem é muito simpática e não falta humor numa narrativa esperta; notável a cena em que Keelie espirra lama no vestido de Elia, uma garota elfa metida a besta e racista ainda por cima: para ela Keelie é uma aberração por ser mestiça.
Os paralelos com o mundo de Harry Potter vão surgindo: em Hogwarts, bruxos racistas como Draco Malfoy desprezam os “sangues ruins”, como chamam Hermione e demais que têm parentesco com “trouxas” (não-bruxos). Keelie aparece como uma espécie de messias ainda despertando. O cenário porém é bem diferente. No mundo de Harry Potter, bruxaria tradicional européia e pouco espaço para a natureza. Já no “povo das árvores” nota-se a influência da “wicca” — embora o nome não apareça — e dessa bruxaria de elementais, como as criaturas mágicas das árvores.
Apesar da qualidade das duas séries (e o presente romance é primoroso) cabe observar que a religião propriamente inexiste: são mundos sem Deus, Igreja e orações. É uma espécie de paganismo mágico.
Sobre “A filha do pastor das árvores” observo que os personagens são bem construídos. Infelizmente Zeke, o pai de Keelie, é um sujeito muito, mas muito chato e irritante.
O grande vilão — e isso é um ponto fraco da história — o tal “Barrete Vermelho”, ao que parece, um duende malvado — não tem muita consistência. Não se explica porque ele faz tantas maldades e nem qual é o seu objetivo. O duelo final entre ele e Keelie é muito bem montado, mas o personagem não tem cabimento.
Um livro que merece ser lido especialmente por adultos — prende realmente a atenção — não o julgo adequado para crianças.
Rio de Janeiro, 26/12/2016.