A revolução fora do banheiro
Por Paulo Ghiraldelli Jr Em: 27/06/2013, às 20H35
[Bráulio Tavares]
“Se abandonarmos nossos medos, outras formas de organização virão”. O professor Wladimir Safatle termina assim o seu artigo na Folha de S. Paulo (25/06). Aparentemente diz algo na contramão das posições conservadoras, que estão agarradas aos pelos das pernas de Augusto Comte, no nosso “ordem e progresso” que deixou o progresso esperando a ordem faz tempo. A frase é capciosa. “Outras formas de organização virão”. Ora, por que tanta preocupação com “organização”? Por que não deixar nossas manifestações acontecerem como estão acontecendo? Por que essa pressa em substituir a forma representativa de participação por “outras formas de organização”? E qual a razão de acreditar que nós, nos protestos, estamos pedindo “outra forma de organização”? Quem disse ao professor Safatle que estamos descontentes com a democracia representativa? Não há nada entre nós, no movimento, que diz isso. Sequer pensamos nisso!
Parece que Safatle faz um pouco como Pondé: lá de cima de seu apartamento, olha as ruas. Pondé tem a vantagem de não ser frequentador de manifestações. Safatle tem a desvantagem de ir, quando é para “dar aula”. Esse tipo de organização dos intelectuais é que está carcomida. Eles continuam não participando ou então participando se fazem parte da vanguarda – sim, tem de haver vanguarda! Não sabem pensar diferente! Não sabem se comportar como cidadãos comuns. Todos nós vamos às manifestações, eles as observam ou as dirigem ou imaginam dirigir. Acho que isso sim é que cansou todos nós, bem mais que a representação dos partidos.
O que sinto entre os colegas nas manifestações é que os partidos nos cansaram, mas não estamos cansados da democracia representativa. O problema é que ela não nos representa, para usar o jargão do momento. Agora, quebrar a representação, isso não foi cogitado por uma razão simples: estamos em uma “revolução do indivíduo”, mas não estamos em uma manifestação do individualismo banal. A revolução que anda no momento, no Brasil, é algo que se mantém por meio de um princípio caro à representatividade, que está longe de ser quebrado ou ignorado: a confiança.
Eleger um colega para que ele me represente é alguma coisa que não se joga fora assim, como Safatle quer. A representação como ela está se fazendo na política atual perdeu a legitimidade, mas a confiança inerente a uma boa representação não perdeu nada. Ao contrário! Basta ver como que os deputados que prestam conta à população ainda são respeitados. Basta ver como que cada um cuida do outro nas próprias manifestações, usando da confiança e, enfim, delegando representatividade, para se notar bem isso.
Mas o que me incomoda mesmo no texto do professor Safatle não é ele falar, dogmaticamente, que a representação em geral acabou. O que me incomoda é a pressa dele em organizar. Ou seja, voltemos à ordem. Sem ela, não há progresso. Ô lema que já criou mofo! Não há outro caminho que não a organização – dizem todos. Aí sim há o fetiche: é o fetiche da vanguarda. Organização, para ele, é a organização da hierarquia. Ele não diz, mas é isso, porque se não fosse ele não pediria organização, ele veria claramente que as manifestações já estão ocorrendo por organização. A diferença entre o modo que ele pensa e o modo que nós, os que protestam, estamos pensando, é que a organização nossa se faz andando, se faz pelo momento, se faz segundo a demanda do tempo presente. É como se tivéssemos virado um tipo de povo nômade, que colocou todos os seus executivos sob o ritmo peripatético. Safatle ainda está no ritmo do Pensador de Rodin que, cá entre nós, está em uma posição mais de banheiro que de pensamento.
2013 © Paulo Ghiraldelli Jr. filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
O professor Wladimir Safatle termina assim o seu artigo na Folha de S. Paulo (25/06). Aparentemente diz algo na contramão das posições conservadoras, que estão agarradas aos pelos das pernas de Augusto Comte, no nosso “ordem e progresso” que deixou o progresso esperando a ordem faz tempo. A frase é capciosa. “Outras formas de organização virão”. Ora, por que tanta preocupação com “organização”? Por que não deixar nossas manifestações acontecerem como estão acontecendo? Por que essa pressa em substituir a forma representativa de participação por “outras formas de organização”? E qual a razão de acreditar que nós, nos protestos, estamos pedindo “outra forma de organização”? Quem disse ao professor Safatle que estamos descontentes com a democracia representativa? Não há nada entre nós, no movimento, que diz isso. Sequer pensamos nisso!
Parece que Safatle faz um pouco como Pondé: lá de cima de seu apartamento, olha as ruas. Pondé tem a vantagem de não ser frequentador de manifestações. Safatle tem a desvantagem de ir, quando é para “dar aula”. Esse tipo de organização dos intelectuais é que está carcomida. Eles continuam não participando ou então participando se fazem parte da vanguarda – sim, tem de haver vanguarda! Não sabem pensar diferente! Não sabem se comportar como cidadãos comuns. Todos nós vamos às manifestações, eles as observam ou as dirigem ou imaginam dirigir. Acho que isso sim é que cansou todos nós, bem mais que a representação dos partidos.
O que sinto entre os colegas nas manifestações é que os partidos nos cansaram, mas não estamos cansados da democracia representativa. O problema é que ela não nos representa, para usar o jargão do momento. Agora, quebrar a representação, isso não foi cogitado por uma razão simples: estamos em uma “revolução do indivíduo”, mas não estamos em uma manifestação do individualismo banal. A revolução que anda no momento, no Brasil, é algo que se mantém por meio de um princípio caro à representatividade, que está longe de ser quebrado ou ignorado: a confiança.
Eleger um colega para que ele me represente é alguma coisa que não se joga fora assim, como Safatle quer. A representação como ela está se fazendo na política atual perdeu a legitimidade, mas a confiança inerente a uma boa representação não perdeu nada. Ao contrário! Basta ver como que os deputados que prestam conta à população ainda são respeitados. Basta ver como que cada um cuida do outro nas próprias manifestações, usando da confiança e, enfim, delegando representatividade, para se notar bem isso.
Mas o que me incomoda mesmo no texto do professor Safatle não é ele falar, dogmaticamente, que a representação em geral acabou. O que me incomoda é a pressa dele em organizar. Ou seja, voltemos à ordem. Sem ela, não há progresso. Ô lema que já criou mofo! Não há outro caminho que não a organização – dizem todos. Aí sim há o fetiche: é o fetiche da vanguarda. Organização, para ele, é a organização da hierarquia. Ele não diz, mas é isso, porque se não fosse ele não pediria organização, ele veria claramente que as manifestações já estão ocorrendo por organização. A diferença entre o modo que ele pensa e o modo que nós, os que protestam, estamos pensando, é que a organização nossa se faz andando, se faz pelo momento, se faz segundo a demanda do tempo presente. É como se tivéssemos virado um tipo de povo nômade, que colocou todos os seus executivos sob o ritmo peripatético. Safatle ainda está no ritmo do Pensador de Rodin que, cá entre nós, está em uma posição mais de banheiro que de pensamento.
2013 © Paulo Ghiraldelli Jr. filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ