A reciclagem dos clichês
Por Bráulio Tavares Em: 05/10/2007, às 12H34
Um escritor de ficção científica disse uma vez: “Nunca use uma idéia que você aprendeu na televisão. A TV é o fim da cadeia alimentar das idéias. Quando ela chega lá, já sugaram todas as proteínas que ela poderia ter pra dar”. O cara que disse isto não tinha preconceito contra coisas modernas, pelo contrário, era um cara que escrevia FC. Mas, por isto mesmo, era capaz de visualizar o trajeto de uma idéia no mercado das histórias.
Suponhamos uma boa idéia. Digamos: “Um mundo-simulação onde os personagens eletrônicos pensam que são gente de carne-e-osso”. Publicada num livro, ela fica hibernando ali durante dez, vinte anos, sendo conhecida apenas pelas dez ou vinte mil pessoas que leram aquele livro (estou falando em mercado norte-americano). Mas é uma boa idéia, e cedo ou tarde um produtor esperto ou um roteirista teimoso consegue comprar os direitos do livro.
Enquanto isto, no mercado literário, a idéia não foi esquecida. Já se criaram variantes, já se escreveram livros tentando desmenti-la, e quem leu estes livros também leu o livro que os inspirou. Dentro do mercado da literatura de gênero (FC, policial, terror, etc.), este tipo de diálogo, de “feedback” é costumeiro, é a respiração normal de uma literatura. Todos estes livros provocam resenhas, críticas, respostas, e a idéia original volta a ser debatida, dissecada, melhorada, enriquecida.
Seguem-se mais alguns anos de tentativas de fazer o filme, que acaba sendo feito, e estréia 25 anos depois do livro original ter saído. O filme passa meio despercebido, mas quem leu o livro corre e vai vê-lo. Isto provoca um novo surto de interesse pela idéia, brotam novos textos, contos, um ou outro romance. Ao mesmo tempo, o filme também chama a atenção de outras pessoas na indústria. Poucos anos depois, um roteirista esperto adota a idéia e bola em cima dela outra história. Atores famosos topam estrelar. O filme é feito, e vira um arrasa-quarteirão. Dois anos depois, há uma dúzia de filmes semelhantes sendo feitos, todos em cima da mesma idéia.
A esta altura, no meio literário ninguém agüenta mais falar naquilo, até porque neste intervalo não pararam de aparecer idéias novas e diferentes. O sucesso de alguns daqueles doze filmes provoca seqüências, paródias, novelizações, quadrinhos. E, logo depois, uma série na TV. Que leva algum tempo para ser produzida, e quando vai ao ar é vista por um adolescente (ou por um adulto meio desligadão) que pensa: “Puxa vida! Um mundo-simulação que pensa que é real! Que idéia maneira! Como é que ninguém pensou nisto antes? Vou escrever uma história!” Meu conselho é: escreva, sim, companheiro. Eu não fiz outra coisa em minha vida senão seguir estes impulsos. Mas – não se iluda. Você vai estar reinventando a pólvora. Mesmo que o que você venha a produzir seja pólvora mesmo, e da boa, você não será nunca o Inventor, será apenas um fabricante a mais de um troço que todo mundo já conhece.