A RAZÃO ESTÁ NO MEIO, NÃO NOS JULGAMENTOS
Por Cunha e Silva Filho Em: 30/11/2016, às 10H39
Cunha e Silva Filho
Quem diz que ele foi grandioso, herói, líder mundial conspícuo, não está sendo imparcial, Fidel Castro (1926-2016), no meu entender, só fez três coisas importantes na idílica ilha de Cuba: 1) livrar o pequeno país do jugo do ditador, que, primeiro, foi presidente eleito, Fulgencio Batista (1901-1973), uma joguete nas mãos dos norte-americanos que transformou Cuba num grande lupanar visitado por turistas, sobretudo norte-americanos; 2) desenvolveu um louvável sistema de saúde pública, se bem que, no interior, esse setor era negligenciado. Só se fazia eficiente na área urbana; 3) reduziu a quase zero o índice de analfabetismo.
Alguém poderia negar esses feitos de grande alcance social? Ninguém, nem os seus opositores. No entanto, nem tudo são flores. Há um lado pernicioso no seus longos anos de comandante geral dos cubanos. Seria o outro lado da sua personalidade carismática, que é ter-se batido contra a ditadura do seu antecessor e haver prometido direcionar seu governo a um sistema político aberto, democrático e com liberdade de expressão e locomoção.
Formado em direito, logo que conquistou o poder, esqueceu o passado. As promessas e a magia do poder o tornaram mais um ditador, alguém que se pôs na mesma condição do antecessor se entendermos que o termo “ditador” ainda conserve o mesmo sentido de um governante tirano, autoritário, autocrático, enfeixando em suas mãos todo o poder acima das leis e dos direitos inalienáveis do ser humano, que é ter o direito de divergir, de discordar. As promessas de fazer Cuba um país livre e com sistema de governo de alternância de poder periódica, consoante fazem as nações minimamente democráticas, foram olvidadas, tornaram-se papel queimado, viraram cinzas.
A ditadura predominou, as dissidências foram sufocadas, seja pelo paredón (fuzilamento), seja pelas masmorras, às quais foram mandados os políticos que se lhe tornaram adversários ou desafetos inimigos da revolução castrista, alguns deles antigos companheiros da luta revolucionária que culminou com a queda do ditador Fulgencio. Fidel Castro, portanto, não pode ser rotulado de ícone e libertário digno de ser exemplo para outros países que almejem a mesma posição e esquema político que caracterizou a duradoura ditadura cubana.
Se olharmos com isenção a política cubana e seus feitos econômicos, o seu desenvolvimento industrial, a condição do povão, vemos facilmente que o país não cresceu durante meio século de regime discricionário e conduzido com mão de ferro. Com as devidas diferenças histórico-culturais, o Brasil sob o governo petista, sobretudo no primeiro mandato do presidente Lula, modificou, ninguém pode negar, alguns hábitos de governança arcaica e elitista, em relação às condições do povão. Houve progresso social.
Mas, isso não é suficiente para exaltarmos o lulopetismo, de vez que, do outro lado da moeda, esse governo, falazmente dito da “esquerda,” cometeu e deixou cometer os mais aviltantes escândalos de corrupção de que já se teve notícia na História do Brasil com uma administração caracterizada pelo contumaz jogo espúrio da propina e pelos desvios do dinheiro público. Isso tudo resultando no deplorável estado de nossas finanças públicas que atingiram níveis de bancarrota, repercutindo até hoje com estados brasileiros sofrendo as consequências deletérias do que o governo federal. O que torna respeitável um governo é a sua transparência ética, suas decisões calcadas na decência e proteção de seus ativos, de seus gastos controlados e nas suas realizações a serviço de uma sociedade mais justa
O petismo passou muito ao largo de toda essa ética fundamental à grandeza de um nação. Por isso, caiu. O que norteou a plataforma de governo elaborada pelos seus ideólogos fpoi, com o passar do tempo, desvirtuado de seus objetivos iniciais. O mesmo, voltando a Fidel Castro, poderia dizer dessa figura de ditador hiperbolicamente exaltada pelos seus admiradores aqui e fora do país, sobretudo no meio acadêmico universitário.público.
A meu ver, Fidel Castro, senhor absoluto do poder de Cuba, foi, ao contrário, infeliz e um mau estrategista que só infelicitou e atrasou o país quanto ao crescimento econômico e em outros setores, a começar do regime político ali implantado, regime este que só trouxe àquela sociedade dissabores e uma vida apertada e humilde. Se tivesse tido maior visão política, a despeito dos pronunciamentos fatigantes, e habilidade diplomática, teria feito aberturas políticas em seu governo e organizado o país de forma independente e sem ser servil aos Estados Unidos.
Se o tivesse feito, não teria sofrido o injusto embargo americano vigorante até hoje. Faltou-lhe tato, apesar das várias situações dramáticas pelas quais passou o seu longo percurso de ditador. Sua miopia de não se ter atualizado como político, ainda que impulsionado pelo socialismo real superado de estofo soviético, foi o seu erro palmar.
Enquanto países comunistas como a China absorveram as vantagens do capitalismo em sua economia, Fidel Castro ainda vivia repetindo, ao longa de décadas, a sua cantilena contra o que dizia ser o imperialismo americano. Essa posição casmurra tanto prejudicou a sua imagem quanto o desenvolvimento de Cuba.
Projetar os destinos da bela ilha caribenha não me está nos interesses de observador da cena política internacional, mas pode-se tentar um palpite: Cuba, no futuro não muito distante, encontrará o caminho da liberdade de expressão e das divergências sem polarizações ou recursos à violência política.
Para finalizar estas considerações, existe um dado sombrio e contraditório dessa figura tão incensada pela esquerda, que me deixa perplexo. Segundo dados da Forbes, Fidel Castro era um homem milionário. Como explicar que um ditador milionário venha a falar de melhoria de seu povo e ao mesmo tempo se dizia socialista ou marxista? Então, seria a vez de indagar: o seu socialismo só servia para si mesmo, sua família, sua nomenklatura e para uso externo com finalidades midiáticas?