A RAZÃO DE CADA UM
Por Cunha e Silva Filho Em: 12/01/2016, às 11H54
[Cunha e Silva Filho]
Estive lendo uma entrevista com um cientista político e professor brasileiro, estudioso e pesquisador da realidade cultural e social brasileiras. Seu nome, Jessé Souza. A entrevista foi feita pelo jornalista Marcelo Coelho, da Folha de São Pulo( Ilustríssima, domingo, 10/01/2016).
Tocando em pontos cruciais da formação cultural e social do Brasil, com perguntas bem formuladas e provocativas do entrevistador, em linhas gerais o cientistsa político, a propósito de um livro dele recém-publicado, A tolice da inteligência Brasileira (Editora Leya, 272 p.), propõe suas ideias na contramão de autores brasileiros (só abrindo exceção para Florestan Fernandes, 1920-1995) que já se debruçaram sobre temas semelhantes, como Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) Raymundo Faoro (1925-2003), Roberto DaMatta entre outros que cita de passagem. Ele poderia, ao menos, ter mencionado, Gilberto Freyre ( 1900-1987)
As minhas considerações exaradas neste artigo são preliminares e não são abrangentes, trazendo à tona apenas alguns pontos da entrevista porque não li o livro do professor Jessé de Souza. Apenas me fundamento nas suas respostas dadas na entrevista.
O eixo de sua argumentação, que, de resto, traz originais contribuições ao debate das questões ventiladas, é que o Brasil tem sido estudado apenas sob óticas nas quais não se toca no cerne da questão de nosso atraso e dependência cultural: a crônica exclusão de nossa população marginalizada. Argumenta Jessé de Souza que estamos até ao pescoço subordinados a culturas de países desenvolvidos, com muita ênfase para os Estados Unidos. Em outras palavras, ele torna evidente o nosso excesso de admiração pelos paraísos culturais das gran des nações. Sofremos de complexos de inferioridade, de ‘complexo de vira-lata,’ designação que criticamente remete ao pensamento do historiador e grande erudito Sérgio Buarque de Holanda, autor de livros fundamentais, como Raízes do Brasil (1936) Visão do paraíso (1959) entre outros títulos de grande relevo, inclusive na crítica literária.
Tal postura acadêmica de Jessé de Souza vai na direção contrária do ufanismo brasileiro apregoado pelo conde de Afonso Celso (1860-1938) no já velhusco livro Por que me ufano de meu país, um exemplar do qual havia na biblioteca de meu pai. Por sinal, ao me recordar desse ufanismo, não posso deixar de registrar um fato: a média do brasileiro não é tão assim cabisbaixa no tocante ao país, sobretudo no que concerne às belezas do Brasil, às riquezas minerais à fauna e flora, à grandeza de nossa hidrografia, à grande extensão territorial, à ausência aqui de terremotos, de vulcões e de outros actos of God destruidores em grande escala.
O nosso alegado complexo de vira-lata, por confronto, pode ser também analisado do ponto de vista dessa concepção ufanista que, ainda depreendemos na admiração do brasileiro por seu país, excetuado o tempo presente, que é de maior indignação pelas políticos e governantes nossos e por outros males que infestam a nossa terra. Uma outra obra, O pais do futuro, de Stefan Zweig, de algum modo contribuiu para o sentimento de esperança que o brasileiro tem (ou tinha) pelo país.
Ao abordar o conceito teórico de Max Weber de “patrimonialismo,” aliás, mal aplicado por alguns de nossos estudiosos, segundo Souza, o cientista político discorda de que nos Estados Unidos não exista tal uso pelo Estado americano. Em outros termos, é por essa razão que o cientista aí desfere a sua crítica aos "liberais brasileiros,” os quais, “candidamente” (Será mesmo que os nossos liberais tão ingênuos assim?) supõem que os EUA sejam o um “paraíso.” Creio que não. A esperteza faz parte do patrimônio individual ou grupal nacional. Ora, tanto nos EUA quanto no Brasil a interferência do privado no público são realidades comuns.Quer dizer, o pessoal da “grana” é muito poderoso a ponto de sempre existir um acordo entre o Estado e o setor da alta economia, dos big shots.
Jessé de Souza propõe a seguinte tese : a de que o patrimonialismo, no Brasil, atende a duas práticas: a) demoniza o Estado por sua ineficiência e a sua dimensão corrupta, a “mercantilização,” via privatização, de todos os setores (educação, saúde etc); b) funciona como ‘senha’ a fim de privilegiar o que ele chama de 1% dos que detêm o “dinheiro,” os políticos (financiado pelo setor privado) e o poderosa influência da mídia, para o cientista político os veículos que “mandam no Estado” “sem voto,” quer dizer, direcionam a galera eleitoral (os “tolos” da classe média tanto quanto do povão) para certos partidos e candidatos. Em suma, essas forças é que, segundo o cientista, determinam a sorte dos governos e dos políticos. com o suporte indefectível da “grossa corrupção.”
Dá-me a entender que, reiterando a corrupção histórica no país, de alguma forma relativiza ou suaviza certos governantes citados: Getúlio Vargas, Jango, Lula e Dilma, nos quais reconhece algum avanço de melhoria da população carente brasileira. Por outro lado, acentua que a “senha’ do patrimonialismo tenha “sido acionada com sucesso” naqueles governos. Conclui, então, por uma crítica à sociedade de classe média, a quem chama de "tola", ele inclusive., que, como professor universitário, se inclui nessa classe, a menos que fosse rico por laços familiares..
Sintetizando os amplos desdobramentos de Jessé de Souza, penso que a sua grande crítica à sociedade brasileira, visando sobretudo à classe média, repito, se dirige a certos comportamentos dela com relação a posições políticas e a movimentos reivindicatórios que, para o cientista político, redundam em prejuízos para essa “tola” classe média. Por exemplo, quando ataca o Estado Brasileiro, os políticos, e não percebe que um outro segmento da sociedade, o que detém o 1% da lucratividade da Nação, é que poderia ser alvo duríssimo de suas indignações, não só os governos.
Entretanto, é nessa posição do cientista político que vejo algumas lacunas dignas de reflexão. A 'tola’ classe média não é tão míope assim. Ela tem consciência do entrelaçamento e conluio dos governos com o poder econômico. Embora seja patente que essa classe estime certas fatuidades, espírito de hedonismo, consumismo, produtos de certo valor, vida individual mais circunscrita aos familiares e outros atrativos que constituem as delícias de suas vida: o turismo internacional, os saborosos almoços nos fins de semana, as conversas fúteis sobre tantos temas subalternos e inócuos, um certa ingenuidade pretensamente religiosa, conselheira coletiva atávica, desde quando aportou Pedro Álvares Cabral com a primeira missa no Brasil.
A minha compreensão geral da entrevista me leva a tecer essas ponderações finais. Para o cientista, o grande mal da sociedade brasileira está nos privilégios intransferíveis a qualquer custo de um minoria endinheirada que domina todos os outros setores da vida social e cultural brasileira. Domina pelos lucros auferidos pela altos preços de nossos produtos, domina pelas decisões tomadas via conluio com o Estado, domina pelo concurso e apoio da mídia, domina pela manipulação dos eleitores, sobretudo tendo em vista a classe média, cuja luta, segundo ele, se volta contra ela mesma, de vez que essa classe não vai questionar maduramente o grande capital e os produtos do consumismo tão aderentes ao gosto da classe, ou melhor de todas as classes, até da ralé, que procura “imitar,” via critérios “kitsch,” os modos dos “bacanas,” do ricos e famosos, claro, dentro de suas limitações e arranjos.
Não vejo com tanta originalidade alguns aspectos ventilados pelo cientista político que, em certos pontos, me parece um tanto inclinado a um petismo de na sua fase de organização e programas com vistas a transformações alvissareira para os segmentos desfavorecidos da nossa sociedade.Por exemplo, a discussão do” racismo cultural”, do “racismo racial,” do que ele insinua ao falar de uma determinação do governo Dilma para peitar os manda-chuva da minoria privilegiada do país. Com o que se sabe da posições e atitudes da presidente Dilma não há como confiar que ela tenha tido a vontade política de inverter toda essa pirâmide social. Os percalços de natureza espúria do governo do lulismo-dilmismo não são contemplados pelo cientista de forma imparcial e explícita, porque no cientista em questão os vieses de uma “esquerda” disfarçada são notórios. Não só de teorias weberianas “bem aplicadas” por ele como embasamento de suas argutas argumentações vive a realidade brasileira sentida por todos aqueles que , convivendo, no dia-a-dia dessa Nação, têm tanto a ensinar também aos teóricos que foram lá fora estudar ciências políticas para, depois, antropofagicamente, assimilar a sociedade brasileira e seus fundamentos históricos. É preciso ir ao exterior para pensar o país com melhores lentes? Tenho minhas dúvidas. Por isso mesmo, vou ler o livro.