A química da literatura
Por Maria do Rosário Pedreira Em: 09/05/2012, às 18H47
[Maria do Rosário Pedreira]
Prometi voltar a falar de Primo Levi e da sua «autobiografia», que traduzi no final dos anos 80 e agora volta a estar disponível para os leitores portugueses. Intitula-se O Sistema Periódico e é uma obra-prima do escritor italiano que esteve num campo de concentração nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial (era judeu) e se suicidou mais tarde, deixando-nos, porém, livros magníficos e inesquecíveis. Um deles é, de resto, este maravilhoso conjunto de memórias da sua vida como químico (e quanta literatura há nesta profissão), que foi considerado o melhor livro de ciência de sempre pela Royal Institution of Great Britain em 2006. Nele, a vida de Levi é-nos contada através de episódios cronológicos, cada um dos quais associado a um dos elementos da Tabela Periódica. E assim assistiremos à relação de Levi com a química desde a infância no Piemonte ou no laboratório do liceu, até ao estratagema que encontrou para sobreviver em Auschwitz ou a sua experiência nas minas ou na indústria de resinas. Mas, se assim à partida pode parecer prosaico, o facto é que é tudo menos isso: mais poético, aliás, do que muito romance que anda por aí. E para Levi o amor não está de forma alguma isento de química, pelo que assistiremos igualmente à sua vida amorosa a par da profissional (e bem assim à sua vida literária, pois fazem parte do livro dois contos que escreveu na juventude e não tinham sido publicados antes de este livro ter sido dado à estampa). Um primor de inteligência, humor e autocrítica a não perder.