Cunha e Silva Filho


          No texto acima referido no título deste artigo, à feição do que fez Manuel Bandeira, no conhecido e indispensável ensaio autobiográfico, “Itinerário de Pasárgada," o poeta piauiense Elmar Carvalho, expõe, em muitos passos de forma bastante lírica, evocativa, as razões das origens de seus chamados "Poemas Inéditos.” O texto é abissal, e direi por quê.
        O artista do verso tanto os de maior grandeza quanto os de menor qualidade, no Brasil ou no exterior, em muitos ângulos, são autênticos críticos e intérpretes de suas obras. Poderia citar vários deles, entre os quais, T.S.Eliot, Coleridge, Murilo Mendes, Ezra Pound, Goethe, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Otávio Paz.
        A visão da poeticidade que esses artistas da palavra têm, como se vê, é a do conhecimento "interno" da estrutura do verso, inclusive dos “mistérios’ que ultrapassam o plano da lógica. E é Bandeira, exímio artífice do verso que nos ensina: poemas há de sua lavra que só podem ser explicados pela tão denegrida “inspiração, de fundo romântico. Por isso, ele fala tanto em alumbramentos.”
        Outros não, são frutos do domínio do verso, de seus segredos, de seus fundamentos teóricos. Para Ferreira Gullar, os poemas, muitas vezes, nascem provocados pelo “espanto” diante da vida, diante de algumas singularidades que se colocam ante a atenção do artista. Para o autor do Poema sujo (1976) a vida não basta no que é, ela necessita de um complemento que justamente está na Arte, enfim, em quaisquer de suas manifestações. Em outros termos, seria impensável viver-se sem os valores artísticos. A vida seria uma esterilidade, um vazio enorme,  irrespirável.
      A visão do exegeta, do crítico militante ou não, parte de fora para dentro do texto. É uma visão alicerçada na experiência e convívio das leituras intensas e extensas da palavra poética.
     Seu ponto de apoio analítico se assenta na teoria, no estudo da linguagem e da "competência literária"( Vítor Manuel de Aguiar e Silva). Ou seja, não é a dos poetas que passaram da ideia de um tema para fins de compor um poema, do influxo vibratório da "inspiração," para um trabalho lúcido da transformação do verso em poesia, visto que poesia pode estar igualmente na prosa, na ficção, num belo discurso oratório e até na leitura em voz alta de uma comovente  mensagem, quase  silenciando quem lê o texto em virtude da carga sonoro-semântica de sua tessitura, visto que a  nossas voz fica embargada, emtrecprtada,  soluçante,  a ponto de chorarmos, numa mutação psicofisiológica tamanha que o efeito do movimento da leitura se transforma em quase impedimento de continuidade  da leitura. Não é isso um momento de extremo lirismo?
    A poesia no verso é resultado de uma proficiência de conhecimentos técnicos implícitos ou explícitos (metapoesia, metalinguagem literária)). Além disso, poesia é um produto da tradição com a atualidade, não havendo nunca um ruptura total com o passado, ou com os passados, a não ser no caso da poesia antidiscursiva, do poema concreto, ideográfico, exclusivamente verbo-voco-visual, que não se sustentaria por muito tempo porque a discursividade, nos limites do lirismo, do poético de qualidade, é base de toda expressão do pensamento poético contemporâneo.
       Os vanguardismos são úteis na medida em que dão uma "mexida" nos exageros da discursividade do poema feito com palavras, frases, que não se renovam, que se congelam esteticamente. Novas formas, novos temas, visões do mundo de hoje são bem-vindos. Os vanguardismos foram, em muitos pontos, fecundos e deixaram marcas  significativas na comunicação poética, porém foram  passageiros, por demais tecnicistas.
    Suponho que o lirismo da linguagem na sua sintaxe poética nunca vai desaparecer, porquanto o homem se cansaria se continuasse a ler poemas absolutamente sígnicos, icônicos, geométricos, matemáticos,cifrados, tipográficos, perfomáticos, tendentes a ultrapassar a linguagem literária e trocá-la por outras linguagens de outras artes, o que por si só, aniquilaria a condição da obra poética nos seus fundamentos intrínsecos e irrecusáveis.
    O homem precisa da estrutura sintática, da linguagem literária, do que antes se chamava "conteúdo," algo a ser dito poeticamente com palavras e não com sugestões grafemáticas que afastariam cada vez mais os leitores do pequeno número de aficionados da grande poesia de todos os tempos.
    Elmar Carvalho  recorda as várias circunstâncias, no tempo e no espaço, que ensejaram a fatura de alguns de seus poemas, alguns urdidos depois de muito tempo, de muito suor, outros surgidos na mente do poeta em forma quase perfeita para ser impressos.
    Aquilo que o homem comum pensa ser assim tão simples ou mera inspiração -  elaborar um poema - não espelha a verdade e a paciência que os poetas tiveram na composição de seus versos.
   Alguns poemas, ou senão quase todos os poemas de uma obra, têm histórias curiosas e jamais pensadas por seus leitores, precisamente porque a escrita de um poema pode tanto vir de dentro de sua imaginação diante dos apelos do mundo quanto pode vir de uma incidente ou fato exterior, cuja matéria é retrabalhada pelo artista do verso a fim de o plasmar em poema.
   O que me leva a pensar que, nesta ordem, guardam semelhanças todos os escritores em geral, os romancistas, os contistas, os dramaturgos, os cronistas, até mesmo os articulistas. É do mundo externo, do momento histórico, do imprevisto de um instante que pode nascer a ideia-máter de uma obra, seja um romance, seja apenas um poema.
   Por todas essas considerações, vejo como muito oportunas que poetas possam indicar as inúmeras  fontes  de como se originaram seus poemas.
   No texto de Elmar pude perceber que os poemas por ele elucidados, ganham dimensões novas, auxiliam analistas, repropõem outras leituras, corrigem, revelam e desvelam camadas insuspeitadas pelo seus analistas.
   Quer dizer, servem a críticos, ensaístas, professores de literatura que, ao compararem o poema feito com as motivações circunstanciais que os deflagraram como peças literárias, complementam gaps com que por vezes se deparam o analista e crítico no tocante a algumas nuanças hermenêuticas que o texto poético, mais do que o ficcional, sinaliza:  opacidades, elementos sempre presentes e resistentes ao entendimento do leitor, mesmo do leito especializado nos meandros da poíesis.
   O artigo-ensaio de Elmar Carvalho renova a minha percepção de que os poetas são os usuários da língua que mais, talvez, próximos estejam dos segredos e riquezas multifárias do idioma.
   No poeta nada escapa da profundidade e dos pormenores de língua literária, nos poetas a língua seria uma forma inusitada de como melhor estabelecer a passagem da nossa existência tão cumulada de referencialidades para um mundo, um cosmos que aos poetas se abre como uma entrada privilegiada no reino das palavra-imagem-símbolo, uma espécie de ludismo fecundo em tensão com o imenso potencial da linguagem somente a eles acessível e por eles melhor compreendida.