A poesia imortal

 Assis Brasil - especial para o Portal Entretextos

Somente através de uma linguagem metafórica, algo cifrada ou mesmo hermética, a mente humana pode entrar em sintonia com o mistério. Esta linguagem pode ser até obscura para a razão, para a inteligência, para o raciocínio lógico, mas é a mais adequada para conhecer a complexa natureza do homem e de seu destino cósmico. 

O chinês Lao Tsé, nascido no ano de 604 antes de Cristo, foi um desses homens filósofos-poetas que desenvolveram sua sabedoria e inteligência através da razão e emoção. Seu livro de poemas Tao Té King é uma espécie de bíblia do pensamento religioso, filosófico e poético oriental. Tao é a idéia do Grande Princípio ou do Primeiro Princípio, de onde emanaram todas as coisas, inclusive Deus. E a harmonia do Tao, o novelo que o envolve, é a paz, a sabedoria e a poesia.

Conta a lenda que Lao Tsé  quando nasceu numa gestação que durou muitos anos – já era um velho. Um menino de cabelos brancos e pele enrugada, mas possuía a sabedoria de todos os homens. Vivendo antes de Cristo, há quem veja, e em muitas de suas idéias e preceitos de vida, um parentesco com o pensamento religioso do Nazareno.

Disse Lao Tsé:

- Pagai o mal com o bem, porque o amor é vitorioso no ataque e invulnerável na defesa. O Céu arma com o amor a todos aqueles a quem não quer que sejam destruídos.

E disse mais:

- Os soldados são armas do mal. Não são armas dos cavalheiros. Não há beleza sequer na vitória. Só acham bela quem encontra prazer em matanças.

 

Curiosamente, o tido como o maior cientista da nossa época, Einstein, disse coisa semelhante:

- A pior das instituições gregárias se intitula exército. Eu o odeio. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. A guerra é a coisa mais desprezível que existe.

Lao Tsé, uma mistura sublime de filósofo, religioso e poeta, pensou também sobre a organização política da sociedade e nas normas para bem governar, como Platão.

Embora de natureza diversa – Oriente e Ocidente – no homem que pensa há quase sempre, um denominador comum quanto aos preceitos da vida, do existir e do trabalhar. E a chave do pensamento do todos, para uma harmonia universal parece ser uma única, um ponto de partida e de chegada. Esta chave é o amor.

Disse o indiano Bhagwan Shree Rajneesh:

- Quando você conquista a si mesmo, a sua luta contra os outros cessa imediatamente.

Cristãos, judeus, indianos, chineses, mongóis, japoneses, todos os homens inteligentes e criadores, que fizeram de seu pensamento uma arma pacífica, tocaram sempre as cordas sensíveis da harpa da fraternidade, da cordialidade, do amor.

E o pensamento mais profundo dessas normas de vida está na Poesia. Assim, há mais semelhança entre um poeta e um homem sábio do que entre dois grãos de milho, porque o homem, ao final das contas, é um só, uma única “natureza precária e sonhadora”, como disse Lao Tsé.

A poesia não é um simples acidente de natureza linguística, mas participa mesmo daquele Grande Princípio ou Primeiro Princípio, como disse Lao Tsé, ou seja, a poesia é algo sagrado e muitas vezes de difícil acesso e compreensão.

Matsuô Bashô (1644-1694),  desenvolveu os princípios poéticos de Lao Tsé. Um chinês e um japonês. Bashô é conhecido no mundo inteiro como o poeta que inventou o hai-kai – uma forma poemática de três versos (cinco sílabas no primeiro verso, sete no segundo e cinco no terceiro) – e, em sendo um poeta que fala da vida e da cultura, é também um filósofo.

Ele disse num poema:

 

Furu ike ya

Kawazu tobikomu

Muzu no oto

(Matsuô Bashô)

 

Ah! o velho poço!

Uma rã salta

Som da água.

(Tradução de Armando Martins Janeira)

Bashô é um observador das coisas passageiras, seus poemas são instantâneos de fenômenos naturais que parecem perecer a cada passo, mas que, como o próprio destino do homem, renovam-se sempre e perduram.

Muitos dizem, na sabedoria oriental, que é o próprio Deus quem envia à terra profetas e poetas, para ensinar aos homens as velhas verdades de maneira nova. E profetas e poetas acabam numa única natureza, como Cristo e Rimbaud, os videntes na área do conhecimento emotivo.

Assis Brasil é romancista e crítico literário. Atualmente, reside em Teresina-PI.

Na foto, o escritor Assis Brasil, à esquerda, e o editor de Entretextos, Dílson Lages Monteiro.