A poesia é uma arte que deve ser trabalha a partir de qualquer idade.

ENTREVISTADO:

José Hélder Pinheiro

Professor de literatura brasileira e literatura infanto-juvenil na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, José Hélder Pinheiro Alves é autor de vários livros e capítulos de livros publicados.

Em sua opinião, a poesia é uma arte que pode ser trabalhada a partir de qualquer idade, em todas as séries do ensino básico. “Toda idade é idade de poesia”, assegura Hélder Pinheiro, que é mestre e doutor em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Jornal do Professor – Qual é a importância que a poesia pode ter na sala de aula? Por quê?

Hélder Pinheiro – Primeiro é preciso dizer que a poesia é uma arte, milenarmente cultivada em todas as culturas. É uma arte que nos acompanha desde os tempos ágrafos, e cuja transmissão era feita pela memória. Desde criança somos estimulados por sons, por canções, por jogos de palavra, por trava-línguas, por quadras sobre os mais diversos temas. A poesia, portanto, é uma arte de fundamental importância para ser trabalhada em todas as séries do ensino fundamental e médio porque ela estimula a fantasia, a imaginação, ela nos acorda para a música da língua (Eliot nos lembra isto), ela nos “protege contra a automatização, contra a ferrugem que ameaça a nossa fórmula do amor e do ódio, da revolta e da reconciliação, da fé e da negação”, conforme as palavras de Jakobson*. Mas também ela nos faz pensar, ela tem o poder de se alojar em nossa memória e nos levar para momentos de encantamento, de alegria. A questão que fica é: se ela é algo tão fundamental, por que é utilizada de modo tão medíocre na maioria das vezes?

JP – A utilização de poesia na sala de aula pode servir para estimular a criatividade dos alunos e despertar o gosto pela leitura?

HP – Num sentido amplo sim, pois a boa poesia oferece paradigmas de alta criatividade, de diferentes modos de trabalhar a linguagem, de explorar imagens e sons diferenciados e significativos. Também, à medida que é levada, sistematicamente, ela pode criar o desejo de conhecer mais um ou outro poeta ou poetisa, um ou outro tema – ou como determinado tema foi poetizado em diferentes momentos da história. Mas para formar o gosto pela leitura há que se trabalhar de modo constante, jamais aleatoriamente. É do conhecimento de vários estilos, de vários temas, de várias possibilidades de trabalho com a linguagem que se vai formando o gosto. Se a escola faz um trabalho de leitura de poesia desde as séries iniciais com certeza tem boas chances de despertar interesse pela poesia e formar o gosto pela leitura.

JP – Quais as principais formas de utilização da poesia na sala de aula?

HP – Partindo inicialmente de minha experiência, uma questão fundamental é a leitura oral. Poesia pede voz – várias vozes, leituras repetidas e discutidas. É pela leitura oral que o leitor vai perceber as nuanças sonoras e semânticas, vai descobrir imagens que passam desapercebidas numa primeira leitura. A leitura oral é um procedimento que funciona bem em todos os níveis de ensino. Com crianças menores, além de leitura e releitura, improvisações a partir do poema sempre têm um papel importante – aproximam a criança da materialidade do poema, permitem que recriem situações, que fixem versos, imagens, etc. Em níveis mais altos – séries finais do fundamental e ensino médio -, pode-se trabalhar a partir de temas. Discutir como um mesmo tema é tratado em diferentes épocas aguça a curiosidade do leitor e possibilita bons debates sobre diferentes modos de ver e expressar os sentimentos, os desejos humanos. Por exemplo, a leitura de “Subversiva” de Ferreira Gullar (Na vertigem do dia), “Os poemas” de Mario Quintana (Esconderijos do tempo) e “A palavra” de Lenilde Freitas Grãos na eira) pode levam a uma concepção mais ampla do que vem a ser a poesia para cada poeta. Isto pode ser ampliado com introdução de inúmeros poemas de poetas contemporâneos ou não. Trata-se de uma espécie de literatura comparada, sem a preocupação de aplicar métodos, antes, a partir da leitura dos poemas vai-se formulando questões e discutindo. Assim é possível favorecer não um conhecimento sobre a poesia, mas a partir da vivência e do conhecimento da poesia. No ensino médio já é possível se deter mais sobre um poeta ou poetisa e ler vários poemas procurando observar peculiaridades daquele (a) autor (a). Jamais a partir dos modelos dos livros didáticos, que tentam enquadrar os autores em escolas, num procedimento limitador que não favorece a formação mais ampla de leitores.

JP – Em sua opinião, a poesia está sendo bem utilizada nas escolas ou isso pode melhorar?

HP – É difícil responder de modo taxativo. Acho que há experiências significativas de trabalho com a poesia na escola. Mas, infelizmente, a maioria das experiências é limitada. A começar pelos livros didáticos que, mesmo com avaliações constantes do MEC, ainda reproduzem esquemas bastante pragmáticos para o trabalho com a poesia. Portanto, há muito ainda que ser feito. A começar pelo fato de a maioria de professores e pedagogos não serem leitores de poesia. Sem que se seja um leitor, dificilmente pode-se acordar no outro o gosto pela poesia. Exercícios mecânicos que não exploram, oralmente, as sutilezas e encantamentos da poesia não formam leitores. A poesia precisa ser trabalhada cotidianamente. Lembremos aqui aquele poeminha de Oswald de Andrade: “No Pão de Açúcar/De Cada Dia/ Dai-nos Senhor/ A Poesia/ De Cada Dia.” Todo dia é dia de poesia. Todos os dias nossos alunos deveriam ser brindados com um poema, uma estrofe, um verso. Aqui entra-se num problema central de nossa escola: o problema da formação de professores. A formação literária, que interessa mais particularmente, é fragilíssima, inclusive nos cursos de letras. Basta lembrar que a maioria de nossos cursos de letras não tem uma cadeira de literatura infanto-juvenil como obrigatória. Esta disciplina ofereceria, em tese, um repertório mínimo para o profissional que vai atuar no ensino fundamental.

JP – A utilização de poesias na sala de aula pode ser feita a partir de que idade ou nível de ensino?

HP – A partir de qualquer idade. Toda idade é idade de poesia. Logo cedo, quando chega à escola (as crianças estão chegando cada vez mais cedo à escola...), a criança já revela interesse pela música das palavras, pelas diferentes sonoridades, mesmo que não entenda, pelas rimas. Há uma diversidade enorme de poemas sobre bichos, temática que tem forte apelo sobre as crianças. Também os poemas que tematizam brincadeiras e que brincam com as próprias palavras. Digo mais uma vez: a partir de qualquer idade e mais: com constância. Um projeto sobre poesia no início do ano e o resto do ano sem poesia não vai ajudar a formar leitores.

JP – Qualquer pessoa pode aprender a fazer poesia?

HP – Esse tema é mais complicado. Em tese, sim. Do mesmo modo que qualquer pessoa pode aprender a tocar violão. Acho que a preocupação da escola não deveria ser com “fazer poesia”, mas com ler poesia. Todos os poetas, pelo menos num bom tempo de sua vida, de sua formação, foram leitores assíduos da tradição poética de sua língua e até de outras línguas. Aprender a fazer poesia no sentido de aprender uma técnica nem é tão difícil assim. No entanto, fazer Poesia, digamos assim, com P maiúsculo é mais complexo. Por outro lado, acho que os professores devem estimular aqueles (as) jovens que revelam talento ou interesse em escrever. Expressar suas angústias, seus sentimentos, seus desejos ainda não é necessariamente poesia, mas é uma necessidade de todo ser humano e pode se constituir num bom exercício com as palavras. Essa pergunta demandaria muito mais reflexão – para a qual não acho que sou a pessoa mais qualificada. O que me parece é que não ajuda muito chamar alguém de poeta por um ou dois poemas criados. É preciso um certo domínio da língua que não nasce de uma vez, de uma mera inspiração.

JP – O senhor teria alguns conselhos ou sugestões para os professores que quiserem aproveitar melhor o uso da poesia na sala de aula?

HP – Talvez eu vá me repetir, mas insisto que se deve ler em voz alta. E o professor deve treinar antes a leitura oral. Ler várias vezes para ele próprio pode contribuir para ter mais confiança na hora de levar o poema para sala de aula. Se não tem esta experiência, há inúmeros CDs com bons atores lendo poemas (Paulo Autran é um dos melhores) – lançar mão desse material ajudou-me bastante quando iniciei no magistério há cerca de 30 anos. Outra dica: ler cotidianamente, nem sempre dentro de um planejamento detalhado. Ler por ler, antes de uma aula, ou no final. E não só com crianças, com os jovens também. Fazer com que a poesia compareça em diferentes momentos da sala de aula. Estimular os alunos a trazerem poemas de que gostam, que viram ou ouviram nalgum lugar. E no nível pessoal, sempre estar lendo poesia: um livro novo, um livro antigo, uma antologia de novos poetas para descobrir novos talentos. Estar aberto ao novo – não propriamente achar bom ou ruim tudo que aparece. Estar aberto, deixar-se tocar pelo que atualmente se faz no âmbito da poesia. Sem esta disposição para apreender cada vez mais poesia fica difícil contribuir com a formação de leitores. E por último, não se prender apenas aos esquemas dos livros didáticos. Lá os poetas e poetisas ficam engessados às escolas literárias, aos movimentos. Uma obra literária quase sempre não cabe num esquema desses.

*Vide JAKOBSON, Roman. O que é poesia? In: TOLEDO, Dionísio (Org). Círculo linguístico de Praga: estruturalismo e semiologia. Trad. Zênia de Faria et Al. Porto Alegre: Globo, 1978, p.177.