Poeta Félix Pacheco (1879-1935) em desenho de Garnier, M.J.
Poeta Félix Pacheco (1879-1935) em desenho de Garnier, M.J.

  Carlos Evandro Martins Eulálio* - especial para Entretextos                                                                               

 

 

 

José FELIX Alves PACHECO nasceu em Teresina, no dia 2 de agosto de 1879 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 6 de dezembro de 1935, aos 56 anos de idade. Era filho do ex-governador do Piauí, Gabriel Luís Ferreira.

Félix Pacheco foi Jornalista, Deputado Federal pelo Piauí em três legislaturas, Senador da República em 1921, Ministro das Relações Exteriores no governo do presidente Arthur Bernardes, de 1922 a 1926, Diretor do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro e Diretor do Gabinete de Identificação e Estatística do antigo Distrito Federal, tendo ali introduzido novos métodos de datiloscopia (identificação pelas impressões digitais). No Rio de Janeiro, em sua homenagem, aquele órgão recebe atualmente a denominação de Instituto Félix Pacheco. Além dessas atividades, Félix Pacheco também se destacou como poeta.

Pertenceu à Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupando a cadeira 16, na vaga de Tristão de Alencar Araripe Júnior. Na ABL exerceu os cargos de Bibliotecário, 2º Secretário e de Secretário Geral.

Na Academia Piauiense de Letras, foi o primeiro ocupante da cadeira número 18, cujo patrono é o Marquês de Paranaguá. Atualmente, essa cadeira é ocupada pelo médico José Itamar Abreu Costa.    

Em 1897 publicou o primeiro livro de poemas, “Chicotadas”. Trata-se de uma produção de menor importância, considerando-se a tardia manifestação romântica que nesse livro se esboçava. Com relação a essa obra, Félix Pacheco julgava-a fora de suas pretensões poéticas, pois a ela nunca se referia, descartando-a do conjunto das demais.

Desaparecido Cruz e Sousa (1861-1898), surgiram no Brasil dois importantes grupos de poetas simbolistas, fiéis à memória do autor de Broquéis. O primeiro era constituído de velhos amigos contemporâneos do poeta: Nestor Vítor, Gustavo Santiago, Carlos Fróis e outros. O segundo reunia autores jovens, como Félix Pacheco, Saturnino Meireles, Pereira da Silva, Rocha Pombo, Carlos D. Fernandes e outros.

O grupo de Félix Pacheco foi mais atuante, tanto assim que dele partiu a iniciativa da criação da mais importante revista de divulgação do simbolismo, denominada Rosa Cruz. Félix Pacheco foi o primeiro poeta simbolista desse grupo a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Ali fez apologia do movimento, por ocasião de sua posse, no dia 14 de agosto de 1913, contribuindo para divulgar mais ainda o nome de Cruz e Sousa nos meios literários do país.

A melhor produção poética de Félix Pacheco é sem dúvida a simbolista. Seus versos revelam influências do estilo de Cruz e Sousa e de autores franceses como Verlaine, Rimbaud, Mallarmé e mais precisamente Baudelaire de quem foi intérprete e tradutor. “Poesias” é considerada pela crítica a sua melhor obra, porque reúne as mais célebres composições do poeta, como: Tentação, Espelhos, Via Crucis, Flor Florum, Lírio Roxo, A Voz das Estrelas que Amavam, Estranhas Lágrimas, Imaculada, O Batismo da Eleita, Náufrago, Pudor e outras. A primeira edição do livro Poesias surgiu em 1914. A segunda, data de 1920. A edição definitiva é de 1932. Nesta última, o poeta reuniu poemas já publicados anteriormente.

Por meio do verso, ele soube manifestar verdades interiores, utilizando uma linguagem simples, porém bastante sugestiva e predominantemente emotiva. Foi poeta correto, com domínio da técnica de composição depurada, como no soneto antológico ESTRANHAS LÁGRIMAS, em que usa rimas ricas e preciosas, caracterizando a perfeição formal, associada à harmonia e à musicalidade.

Esse soneto, como veremos adiante, sofreu várias modificações. Esta é a versão definitiva, publicada no livro Poesias, edição de 1932, três anos antes do falecimento do poeta:  

 

            Lágrimas... Noutras épocas vertia-as.

            Não tinha o olhar enxuto como agora.

            Eu próprio então me aconselhava: “Chora,

            Que o pranto é um refrigério às agonias.”

 

            Ah! quantas vezes, pelas faces frias,

            Melancolicamente, hora trás hora,

            Gota a gota rolando, elas, outrora,

            Marcaram noites e marcaram dias!

 

            Vinham do oceano da alma, estranho e fundo,

            Quentes, num debulhar sincero e franco,

            Mal reprimindo a minha angústia louca.   

 

            Nos olhos, hoje, as elimino e estanco,

            Jorram, no entanto, sem que as veja o mundo,

            Sob a forma de risos, pela boca!      

           

A autêntica poesia simbolista comparece também no soneto NÁUFRAGO, cujas características, como a sensação de isolamento, a busca do espiritual, a presença do transcendental, da musicalidade, enfim, de imagens sugestivas e sinestésicas confirmam os vínculos do poeta a esse estilo de época:

 

            Sozinho... O mar e o céu... nenhuma vela

            Na curva extrema do horizonte avisto

            Ao lento caminhar da morte assisto,

            E é tudo um vendaval que se encapela!

 

            Perdido no tufão que me flagela,

            Nem sei da terra firme quanto disto.

            Misericórdia, céus, Piedade, Cristo!

            Piedade! O coração se me esfacela.

 

            Por que me foges, sol, ocaso em fora?

            E é uma noite sem luar... estruge agora

            O soturno trovão nas densas trevas.      

 

            O temporal é cada vez mais forte.

            Onde é que estou? Para que lado é o norte?

            Onde é que estou? Destino, aonde me levas?

 

Se Cruz e Sousa tinha obsessão pelo branco, o poeta de Estranhas Lágrimas, possivelmente por influência de Baudelaire, acolhia como imagem recorrente em seus poemas “a grande face do mar”, em trechos de cunho interior e sinestésico:  

 

            “...E entrando em cheio o oceano imenso e amargo.”

                                                                  (O rio entrando no mar)      

 

            “E no oceano de angústias que te oprime

            Deixa seguir o teu baixel de vime...”

                                                                 (Lira solitária)    

 

            “Lágrimas... Noutras épocas verti-as.

            Vinham do oceano imenso e fundo...” 

                                                                (Estranhas lágrimas)    

 

            “...Flores, que é do perfume; Estrelas, que é do brilho?

            Quem acabou de ver com o teu poder, oceano...”

                                                               (Almas irmãs)  

 

Como todo poeta simbolista, Félix Pacheco também pagou tributo ao Parnasianismo. Nesse estilo, produziu poemas descritivos, declarando-se adepto do soneto, forma poética tão recorrente no conjunto de sua obra, verdadeira “profissão de fé”, conforme declara nesta composição de abertura do livro “No Limiar do Outono”, publicado em 1919, dedicado à Academia Piauiense de Letras:

 

Outros se percam no marulho intenso,

E a lira afinem pelo canto vasto.

Eu, no meu lindo cárcere, me basto,

E não o julgo estreito, mas imenso.

 

Nestes curtos grilhões nunca me gasto.

Digo tudo que quero, e quanto penso,

Satisfeito das pérfidas que venço,

E orgulhoso dos órbices que afasto.

 

Há quem prefira os poemas dilatados,

Amplas visões em versos numerosos,

Onde a rima extravase em grandes brados.

 

Eu, porém, a outros moldes me remeto,

E nunca tive um gozo entre os meus gozos

Que não coubesse dentro de um soneto!

                        (Em louvor do soneto)

 

Como parnasiano, afasta-se do sonho, do mundo transcendental e místico, para penetrar na essência humana, procurando traduzir o drama existencial dos mortais. O poeta então se aproxima de Raimundo Correia ao produzir uma poesia de caráter filosófico, conceitual e reflexiva, com agudo sentimento de transitoriedade das coisas, como nos seguintes versos do soneto “A lição da vida”:

 

A vida é sempre assim: nasce, desaparece,

E nunca o ser humano a governa ou deslinda.

O tempo avança, avança, e o sofrimento cresce,

Cresce cada vez mais, como uma sombra infinda.

 

Tudo que é graça e amor apaga-se, fenece,

E o que impera amanhã são sempre as mágoas ainda.

Não há mudar a sorte. O bálsamo da prece,

Afinal, é somente o que nos salva e blinda.

 

Nascem cardos na estrada. O coração sangrando

Palpita no estertor de uma agonia lenta.

O riso, o sonho, a luz, vão-nos abandonando...

 

Só pode, pois, triunfar quem vence esses horrores,

E, na calma da fé, suporta, estoico e enfrenta

A sucessão fatal e intérmina das dores!

                        (A lição da vida)

             

Outro aspecto que merece destaque na obra de Félix Pacheco é a preocupação com a forma poemática. Numa busca constante pela perfeição, o poeta de Mors-Amor reescreveu por diversas vezes o soneto Estranhas Lágrimas. Encontram-se essas alterações na pesquisa realizada por A. Tito Filho, publicada na Revista de Letras de Fortaleza, jul./dez.1986. Citamos, portanto, como exemplo, apenas as alterações que o poeta fez no primeiro quarteto:

           

            Alma, dizia então comigo, chora / Que o pranto diminui as agonias.

            Alma, dizia então comigo, chora / Que assim minorarás as agonias.

            Alma, dizia então comigo, chora / Que o pranto afoga e anula as agonias.

            Aconselhava-me a mim mesmo, chora / Chorando ensinarás tuas agonias.

           

            Finalmente, na edição definitiva de Poesias, em 1932, assim escreveu o poeta:

 

            Eu próprio então me aconselhava, chora / Que o pranto é um refrigério às agonias.

             

Deixou-nos o poeta uma vasta obra. Eis as de maior destaque no âmbito da poesia:

Chicotadas, estreia de 1897;

Via Crucis, 1900;

Mors-Amor, 1904;

Poesia, em três edições: 1914, 1920, e 1932;

Inesita, 1915;

Martha, 1917; Tu, só tu, 1917;

No limiar do outono, 1918;

O pendão da Taba Verde, 1919;

Lírios Brancos, 1919;

Estos e Pausas, 1920;

Aliança de Prata, 1932.

Publicou ainda: O Publicista da Regência, biografia e análise crítica da obra de Evaristo da Veiga, além de outros livros sobre história, reunindo conferências, discursos parlamentares e bibliografias. 

 

*Carlos Evandro M. Eulálio é professor de literatura e crítico literário.

 

REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. Cultrix: São Paulo, 1982.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil, vol. 4, Sul Americana: Rio, 1999.

TITO FILHO, José de Arimathea, Estranhas Lágrimas. Revista de Letras, jul/dez, 1986: Fortaleza - CE

Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, Cultrix: São Paulo, 1969.