A poesia de Dilson Lages
A POESIA CONCENTRADA POR DILSON LAGES


 

 


 

Rogel Samuel

O que chama de poesia zen é a que apresenta o que já é presente, isto é, o que está na nossa frente, diante dos nossos olhos, onde ali é colocado como um “está aí”: “eis-me”, e em poucos versos, poucas palavras:


 


A mulher de vermelho


 

molha as flores da passarela


 


É a poesia mínima, reduzida ao mínimo, no minimalismo característico do pós-moderno, o nosso tempo. Lembro-me de que a poesia partiu dos grandes poemas heróicos, dos grandes textos homéricos, para os romances medievais, os cantos clássicos, as estrofes românticas, os pequenos poemas pós-modernos. Houve exceções. Isso é a generalidade: a fina teia dos poetas na época da Internet. Que será da poesia? Que gênero poético? Para onde vai a literatura? Ninguém sabe. Mas os poemas agora se reduzem ao cerne, duas três rimas, umas poucas imagens e a imensidão do espaço do papel em branco – a poesia do Dilson tende assim ao haicai:


 


A flor nasce nos olhos da lua


 

Diante do espelho que sou.


 

(Isto: o poeta no espelho. O poeta que vê:)


 

...a rua é ruínas


 

E vejo o sol...


 

(Que sabe recolher “os resíduos do dia” nas suas anotações de estrofes, que são como notas apressadas de um repórter perseguido pelos “rostos dos fantasmas”, pelo “trânsito do vento” – a realidade transformada em nada, a natureza vinda do sertão:


 

Ouço o mugido do gado


 

preservando o encanto da noite


 

e galopamos na tangente do açude


 

onde o céu se oferece para contemplação.


 


A madrugada corre ensandecida.


 

Minhas mãos alcançam as alturas


 

e degusto o oásis do sertão


 

onde cavalgamos sonhos.


 

(E da cidade. Na)


 

ESPERANÇA EM FORMA DE NUVEM


 

 


 

A cidade decresce


 

a multidão de prédios-diamantes


 

na manhã que se inicia


 

e no céu cinza das avenidas


 

as aves unidas dançam


 

ao som silencioso do vento


 

a canção veloz do vôo.


 

 


 

Já não há lirismo, nesse trâmite. “Já não navego o ego”, escreveu. Mas “o silêncio parou de tocar”, e


 

 


 

Acordo a madrugada


 

e repouso em mim a noite


 

que dormiu demais


 

para despertar a manhã


 

e vestir-me de céu.


 

 


 

Esta poesia faz das coisas uma concretude e não uma imagem, pois a realidade é tanta que “a água na vidraça / despedaça...” e o mundo se descerra em “faces e disfarces”. Neste caso o silêncio é um consolo, pois serve para “arrancar o coração das paredes”. No:


 


O MUNDO VISTO POR DENTRO


 

 


 

A ausência zera o rosto


 

coberto pela toalha da alma


 

e a máscara da face


 

abre o cárcere


 

para o mundo se mostrar


 

como é.

É muito interessante sentir que se pode ler no “Sabor dos sentidos” a meditação de “Os olhos do silêncio”, que pisa no freio das palavras e dissolve o fragmento do pensar.


 


Ali o silêncio é interno, o silêncio sempre fala mais alto, “pó do vento”, o que “apaga a escuridão”, o silêncio como arte decorativa: “o manto de anjo na sala de estar”