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 A PANTERA 19.

ROGEL SAMUEL

 

Meu tio ainda estava morando sozinho no sítio. Nas paredes havia antigos desenhos meus, alguns trabalhos de adolescente, quando eu desenhava vestidos daquelas mulheres da alta costura das revistas europeias de minha mãe, que era costureira, o Burda e outras de que não me lembro. Eu acabei, por imposição de minha mãe desenhando centenas de vestidos. Minha mãe que assim fazia para manter-me quieto ao seu lado, me especializou em alta costura sem querer ou saber, pois eu desenhava as roupas que minha mãe fazia para as freguesas. As freguesas adoravam e minha mãe, orgulhosa, me exibia como um gênio. E eu me sentia recompensado.

O sítio ocupava o morro e o vale, longe passava a estrada, que ia para o vilarejo.

Meu tio descia até a estrada, pegava um ônibus que passava de hora em hora para fazer as compras. Às vezes ia à cidade receber sua aposentadoria. Tudo antes feito pela governanta, que morreu.

Quando eu cheguei ali com Jara, ele não estava. Entramos na casa, completamente aberta. Fomos nus tomar um banho de igarapé ali atrás da casa, banho refrescante e divertido. O pequeno córrego vinha da mata e abria um pequeno tanque, frio, tranquilo. Meu tio se banhava ali, havia sabonete e toalha.

Andamos no pomar e na horta maltratada.  A casa deteriorada, sua limpeza não se fazia há tempo. Depois do banho, começamos a limpar a cozinha e a fazer a comida.

Meu tio apareceu, cansado.

Foi uma festa.

Ele fez questão de abrir uma garrafa de champanhe francesa que tinha na adega do porão. Adorava a França.

A reunião me fez bem, reunião familiar que eu não experimentava há anos.

Meu tio Carlos, irmão de minha mãe, me conhecia desde criança, aos 80 anos ainda era um homem forte, graças à vida simples e ao trabalho no campo.

Ele já tinha preparado nosso quarto, com as portas do armário abertas.

Desse modo, depois do almoço nos recolhemos e dormimos.

Só à noite tivemos ânimo para mais conversar. Eu contei um pouco da minha vida, mas ele estava interessado era em Jara. Acho que apaixonado por ela.

Jara e ele se deram muito bem. Conversaram a noite toda.

No fim que ela “cantasse” uma canção indígena.

Ela acabou cedendo e aí aconteceu o inesperado. Ela cantou e bateu o chocalho de meu tio por alguns minutos. E dançou. Eu nunca a tinha visto fazer aquilo. Ela se transfigurou.

Depois meu tio foi ao piano, a meu pedido. Tocou uma sonata de Beethoven, mas já não era nem a sombra do que tinha sido e o piano estava péssimo.

- O Ricardo morreu, disse-me ele. Não conheço ninguém para tratar do piano.

Eu disse que ia procurar outro.