No Brasil antigo, na prática e pela Constituição, o povo pobre, as mulheres e os analfabetos não votavam. O país era dominado pelos ricos, seus agregados e afins.  Em exata linha com isso, desde os tempos coloniais até o fim da Segunda Grande Guerra e a Constituinte de 1946, os nossos políticos não dependeram, para se sustentarem, de proventos relacionados aos mandatos. As suas mantenças vinham, principalmente, de meios privados, ou seja, daquilo que eles tinham de posses diretamente, como homens de cabedais, ou por conta das mesadas que lhes davam os seus representados das classes senhoriais e burguesas.


 Sem qualquer constrangimento maior, a detenção do poder econômico correspondia à posse do poder político. A corrupção, como a que conhecemos hoje, era algo raro. O desvio de verbas de obras ou de serviços públicos era um ato de coragem. O destemor do corrupto d’antanho estava em apossar-se dos meios reservados para os fins desejados pela poderosíssima elite político-econômica. Por tal, algo muito temerário; uma vez que afrontavam os poderosos ou os seus interesses. Por tal, o padrão do comportamento público dos políticos era de compostura.


Ainda a dizer que não havia grandes empresas públicas, enormes sociedades de economia mista. Não existiam vinte ou até quarenta ministérios, dezenas de agências governamentais com seus orçamentos e recursos, e programas de incentivos e repasse de meios.


 Em 1945/46, com a implantação da democracia popularizada e de massas, após Getúlio Vargas, viabilizam-se os políticos sem recursos pessoais ou de família, vindos do voto popular ampliado para bases muito mais amplas. Assim, não são mais apenas os homens vindos da simbiose dos poderes político e econômico. É gente nova que adquire status social por força da representação dos interesses difusos do povo ou daqueles pleitos coletivos das emergentes categorias sociais ou profissionais. Não há mais os onipresentes oligarcas à moda antiga que mantinham os políticos ou eram, eles próprios, os mandatários. Esses tantos continuam a existir, mas são em menor número.


 Isso tudo gera uma terrível novidade sociológica, algo que só as mentes  sagazes poderiam imaginar. Qual é essa novidade?


Os novos políticos querem ser poderosos pessoalmente, como os antigos. Querem o poder econômico e o político para o seu bem próprio e independência econômico-financeira; inclusive para afastarem-se, quando convenha, do financiamento dos empresários industriais, do comércio e dos serviços, e dos empreendedores agrícolas. Por conta desses novos políticos, os proventos e a remuneração em geral dos governantes e congressistas com recursos públicos cresce e se agiganta assustadoramente, desde 1946 até nossos dias. A corrupção torna-se importante e generalizada em vista da multiplicação jamais vista de oportunidades decorrentes da complexidade da organização estatal, das centenas de programas, dos convênios, dos recursos disponíveis nos orçamentos de ministérios, de empresas públicas e de economia.


 Esse quadro, em 2014, mostra elevadas verbas, indenizações, reembolsos, proventos, benefícios, assistência médica e odontológica de alto padrão a todos da casa do mandatário, aposentadorias inteiras e pensões generosas. E mais verbas para as liturgias dos cargos, para a manutenção de gabinetes, de assessores e de assistentes. Tudo isso significa um absurdo silencioso, percebido pelos brasileiros e aceito como se fosse inevitável.


 Há, no nosso país, uma nobreza “republicana” pior que a nobreza do Antigo Regime, na França. 
 O que pensar de toda essa absurdidade? – eu pergunto.


Creio que a antiga nobreza político-econômica de antes de 1946 deve ser vista com tristeza, mas não há mais nada a fazer; não se muda o passado. Hoje, no tempo presente, cabe desmascarar a nova nobreza brasileira. Todos os  brasileiros viventes devem saber que essa situação injusta de privilégio existe e é crescente em sua contundência. Essa “injustiça social” em favor dos que têm o poder merece total repúdio e desfazimento cabal.   
 

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho é autor de diversos livros, entre eles o romance histórico Memorial do Ouro.