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[Chagas Botelho] 

Como diria Nelson Rodrigues, o escritor que nasceu para ser citado, “sou um homem inatual”. Sim, eu sou. Digo mais: sou um homem pretérito. Muito dado às coisas transcorridas. Mas veja bem, não sou um nostálgico, saudosista ou coisa parecida. Nada disso. Apenas um rapaz latino americano que gosta da arte de outrora. Sou exatamente como aquele personagem de Meia Noite em Paris do Woody Allen que, preferia os eventos do passado, sobretudo os literários, aos do presente. Os chamados contemporâneos.

 

Toda essa introdução retroativa, lenga-lenga, é para lhes dizer que ontem, nos embalos de sábado à noite, eu assisti ao filme A Noite dos Desesperados, de 1969. E que obra cinematográfica, meus amigos, que obra cinematográfica. Trata-se dos anos de 1930, quando os Estados Unidos (ora, ora) vivia sua grande depressão. Invertendo a qualificação sem modificar o resultado: ou a Grande Depressão americana. Anos obscuros em que a população carecia de atributos e recursos para sobreviver. Para ter uma vida digna, sabe?

 

Nesta época estranhíssima, ainda segundo o filme, diante de tantos acontecimentos inusitados, surgem os vários concursos de dança. Seria a dança, o movimento do corpo, uma válvula de escape para um povo sofrido? Ou simplesmente benfazejos instantes para desopilar? Não e não, meus caros. A intenção das disputas de dança era para testar a resistência dos participantes à exaustão em troca de comida, roupa e dinheiro. Elementos essenciais ao ser humano. O vencedor seria o mais forte, persistente e resistente, apesar de submetido à crueldade e selvageria, para uma nova maneira de ser americana.

 

Além da busca insana pelo prêmio de 1. 500 dólares, embora quem esteja vivendo a falta de emprego numa economia decadente, tudo é válido, o que mais me tocou foi um dos diálogos entre Gloria (Jane Fonda) e Robert (Michael Sarrazin).

 

Esta conversa entre os dois principais personagens se dá já quase no final da película. Gloria (esse Gloria do cinema não tem acento), completamente exaurida, desabafa à Robert: “estou cansada desse mundo sórdido. E não me venha com sermões ensolarados”.

 

Em seguida, Gloria que, aliás, está linda com o corte de cabelo joãozinho, é a beleza interminável de Jane Fonda, pede a Robert que este a mate por não suportar mais as agruras de sua depressiva existência. Robert, então a obedece, e dispara à queima roupa, na bela têmpora aloirada de Gloria. Que fim trágico da personagem fracassada. Sinto muito pelo spoiler, mas foi inevitável.

 

Este drama (repito, de 1969) dirigido por Sydney Pollack, recheado de raiva, dúvidas e insegurança, daqueles que estão à beira do desespero, lembra um pouco o que vivemos na pandemia. Cujas circunstâncias foram assaz difíceis. Sinal de que os pesares do mundo não exigem tempo certo. Podem ocorrer a qualquer momento em nosso enredo existencial. Sendo você um homem inatual ou não.