(Miguel Carqueija)

 

"Sora no woto" é a arte da animação em toda a sua pujança

 

A MÚSICA QUE VEIO DO CÉU





    Presença de revelações de enredo (spoilers).
    “Sora no woto” (“Sounds of sky”, na versão em inglês), em doze episódios, é uma das historias mais belas e estimulantes que eu já assisti, e dá testemunho da pujança e vitalidade do criativo cinema japonês de animação.
    A história, uma ficção cientifica de fundo católico, flui como uma poesia num contexto envolvente, num cenário de mundo decadente, após a queda da atual civilização. Com freqüência são feitas referencias à “era passada”, ou seja, antes das catástrofes que mudaram o mundo. Perpassa a série uma linda e pungente melodia, “Amazing in grace” (“Graça maravilhosa”), de John Newton (1779, domínio público), que a personagem Sorami Kanata ouviu quando muito criança, num cenário de guerra, e que ela reencontra ao ingressar, com quinze anos, no pelotão 1121, encarregado de vigiar a fronteira final da Federação Helvétia (Suíça), na borda das terras desconhecidas. Tocar esta musica na corneta é uma realização para Kanata. E a melodia será importante inclusive no maravilhoso desfecho.
        Os doze episódios são como uma sinfonia que flui com leveza e graça. Tudo gira em torno de cinco garotas que constituem o pequeno Pelotão 1121, encarregado de tomar conta de um quartel situado próximo à vila de Seize, no final do mundo conhecido. São elas a Comandante Felicia Heideman, suave e carinhosa, que faz de mãe para as demais; a Tenente Rio Kazumiya, que é como a irmã mais velha; a Sargenta Noel Kannagi, reservada e estranha; a Soldada Kureha Suminoya, altiva e temperamental; e finalmente a Soldada Sorami Kanata, que transborda inocência, bondade e vitalidade. Alguns mistérios cercam a vida dessas pessoas, bem como da própria vila, marcada pela lenda das cinco “Donzelas do Fogo” que, no passado longínquo, protegeram o lugar do ataque de um demônio, ajudadas por uma aranha gigante.       
    Nesse mundo futuro subsistem tecnologias — trem de ferro, máquinas de guerra, raros telefones — mas nada de celulares, computadores, aviões. Parece um pouco o século XIX. O fantasma da guerra não foi de todo esconjurado. Anos atrás houve um devastador conflito, entre a Federação Helvétia e o Império Romano, e negociações de paz se arrastam misteriosamente.
    Após uma série de episódios deliciosos que definem as diversas personalidades das garotas a situação aproxima-se de um desfecho com o aprisionamento de uma soldada ferida do Império Romano, Aisha. Esta nega ás garotas (Rio, por razões especiais, encontrava-se ausente) a veracidade da lenda das Donzelas de Fogo, tal como é contada na vila. Não, declara Aisha, não foi um demônio que caiu sobre a vila, foi o Anjo do Apocalipse, que destruíra o mundo anterior. Ferido, ele foi salvo pelas donzelas, ajudadas pela aranha gigante.
    Como que o passado irá se encontrar com o presente. As revelações se acumulam. O arrivista Coronel Hopkins, conhecido como o “Demônio de Vingt”, assola a região e pretende utilizar novamente os serviços de Noel, que no passado havia sido levada a colaborar numa ação genocida através da guerra química e ganhara o apelido de “Bruxa de Helvétia”. Noel, traumatizada pelo passado, recusa-se a aderir ao coronel que pretende provocar a guerra contra Roma, sabotando as negociações de paz. Felicia lidera a rebelião das garotas contra o coronel e para preservar a paz.
    Aqui, tendo Noel restaurado uma tecnologia da “era passada” — o terrível tanque de guerra conhecido como o Takemikazuchi, capaz de trepar facilmente em paredões rochosos graças ás suas patas aracnídeas, e que se encontrava encostado no quartel — as garotas partem para o dramático confronto com as forças do mal; elas, as Messias do futuro, as novas “donzelas do fogo”, que, auxiliadas por uma aranha gigante, protegerão não somente a vila, mas a todos — como frisou Aisha, as donzelas protegeram toda a humanidade — para impedir o reacender catastrófico do monstro da guerra.
         “Sora no woto” é beleza do principio ao fim. É uma série que dignifica a Sétima Arte.   

Mangá de Yagi Shinba (Japão, 2010-2011). Anime de 2010, produzido pela Aniplex com direção de Mamoru Kanbe e roteiro de Hiroyuki Yoshino. Além dos doze episódios, existe um OVA (especial).

Rio de Janeiro, 28 de março a 25 de maio de 2012.

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