A morte do mestre Massaud Moisés
Por José Mário da Silva (*)
 
Para Diego Leite Severo, leitor contumaz da ensaística de Massaud Moisés
 
Depois de Eduardo Portella, Antonio Candido, José Louzeiro, Macos Accioly, Nelly Novaes Coelho, agora foi a vez de Massaud Moisés ser visitado por aquela a quem o grande poeta Manuel Bandeira chamou de A dama branca e A indesejada das gentes. Escritor prolífico e autor de paradigmáticas obras no campo da Teoria, Crítica e Historiografia literária, Massaud Moisés, ao longo de mais de meio século de ininterrupta travessia universitária, tornou-se, inclusive para o autor destas linhas tocadas de funda emoção memorialística, inafastável referência para quem anelava iniciar-se no fascinante território dos estudos literários de modo seguro, contando com os fundamentos norteadores de um mestre do porte do criador de Literatura: Mundo e Forma.
 
Professor titular da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo, com profícua atuação nos campos da Teoria Literária, História da Literatura Portuguesa e Brasileira, Massaud Moisés, é o que se pode depreender do contato cuidadoso com os seus inúmeros escritos e publicações, impôs-se, no cenário acadêmico nacional, como um brilhante código onomástico sinônimo de uma práxis existencial visceralmente vinculada ao fenômeno literário, por ele encarado como um complexo espaço estético-simbólico, no qual, na esteira do que preconizou Antonio Candido em seu clássico ensaio “A literatura e a formação do homem”, a humanidade de cada um de nós é confirmada.
 
Para o erudito criador de A literatura brasileira através dos textos, a arte literária nunca foi encarada como uma atividade supletiva ou acidental, mas sim como uma dimensão fundante do humano, naquele sentido postulado por Eduardo Portella em seu livro Fundamentos da Investigação Literária, quando em dado momento afirma que “para além da morte da existência permanece a dimensão poética da existência”.
 
Valorizador da literatura como a transfiguração estética das mais significativas experiências humanas, Massaud Moisés foi pródigo na prática de uma crítica literária dotada de alto poder comunicacional, infensa, portanto, à aridez terminológica que, sob os auspícios do triunfante estruturalismo dos anos setenta, findou, diria o grande poeta Sérgio de Castro Pinto, turvando as águas da apreciação literária, permutando-a por fórmulas conceituais abstrusas e inoportunas, quando não afugentadoras de quem busca no texto literário um conhecimento superior da vida, dos homens e da linguagem. Por esse viés, eis-nos nas margens daquilo que Tzvetan Todorov com muita propriedade classificou como A literatura em perigo.
 
Especialista em Literatura Portuguesa, Massaud Moisés muito contribuiu para que tivéssemos acesso a um quase incontornável número de escritores lusitanos, cujas obras eram dissecadas com admirável pertinência pelo criador de O espelho e a esfinge, luminoso ensaio sobre a genial e heteronímica poética de Fernando Pessoa, um dos maiores gigantes da lírica ocidental de todos os tempos.
 
Livros como A análise literária e A criação literária ainda hoje ocupam um lugar de destacado prestígio no universo das humanidades, constituindo-se em imprescindíveis fontes de consulta para quem, de modo consistente, intenta dar os primeiros passos na seara do conhecimento literário.
 
Em suma, Massaud Moisés fez história como consagrado teórico, historiador e crítico literário, um dos mais proficientes que tivemos, deixando-nos um respeitável legado de compromisso com a literatura, regado por intenso amor pela arte que faz da palavra ponto de partida e de chegada de todas as suas cogitações.
 

 (*) Docente da UFCG, membro da Academia Paraibana de Letras