A literatura infantil de Dílson Lages
Em: 10/08/2014, às 13H43
Em 2013, o escritor e professor Dílson Lages publicou o primeiro de uma série de livros voltados para crianças, O rato da roupa de ouro. Em entrevista a estudante de jornalismo Camila Fortes, o professor falou sobre o livro e o processo de "escrever para crianças".
Camila Fortes - No seu ponto de vista, qual a importância da literatura para crianças e jovens?
Dílson Lages - Antes de ser uma forma específica de apresentar o mundo às crianças e aos adolescentes, a literatura é o veículo por meio do qual a linguagem desperta o inesperado, o humor, o lúdico, enfim, o encantamento. Pelos desvios de metáforas e metonímias, pela resignificação das experiências apreendidas, as histórias da infância e da adolescência – ou contadas para se aproximar do mundo infanto-juvenil - ganham a força da fantasia e a atividade mais preferida deles, brincar, é potencializada. A literatura faz brincar, como nenhuma outra forma de expressão, e pela linguagem potencializa as descobertas e o prazer.
Seu último livro ''O Rato da Roupa de Ouro'' mantém o estilo clássico de literatura infanto-juvenil. Com leitura simples e com um ensinamento, uma moral. Podemos então, chamar de fábula?
A rigor, é um conto infantil de estrutura clássica, com a exploração e estratégias largamente conhecidas na literatura para crianças, mais hoje do que em qualquer outro tempo. Entretanto, o bom leitor perceberá que, a partir de instâncias enunciativas diferentes, usamos de recursos variados para prender a atenção do início ao fim. Exploramos estímulos sensorias, usando especialmente imagens. Supervalorizamos ações, espaços e personagens específicos, criando rupturas que despertam a curiosidade. Nesse particular, partimos de metáforas para explorar o universo das relações de poder, estratégia sobre a qual discorreu tão bem o crítico literário José Castello comentando o livro em artigo para O Globo. Para nos aproximarmos mais das crianças, criamos uma ambientação de perigo e, sutilmente, de humor, mas principalmente humanizamos bichos, sobretudo o rato e o gafanhoto, anti-herói e herói, respectivamente, pelos quais capturamos as crianças para o mundo da imaginação. Utilizando-se de animais, o texto acaba por despertar reflexões valorativas – e essa foi uma de nossas intenções (fazer apologia à bondade e ao altruísmo e condenar a maldade e a ganância) e, por essa razão, trata-se de narrativa que reinventa a fábula, introduzindo nela elementos da moderna literatura. Não há nada de desmerecedor em construir um texto clássico, desde que ele encante e seja feito com inventividade.
Por que fazer um livro infanto-juvenil atualmente?
A exploração de textos dessa matriz me veio como uma necessidade de interpretar os valores do mundo adulto pelo olhar da criança que um dia fui. Escrevo para mim mesmo, para a criança que fui – e que sou. É preciso assegurar a existência da criança em cada um de nós, para que a ingenuidade e o romantismo das coisas simples não sejam sufocados pela violência e pela brutalização que a vida moderna impõe, sem pedir licença, sem piedade e respeito. Fazer literatura para crianças e adolescentes é estar mais livre para explorar um universo de possibilidades infinitamente superior, porque maiores as chances de exploração da imaginação e da linguagem – maior a possibilidade de subverter.
Existem dificuldades para um escritor infanto-juvenil? Se sim, quais?
Os desafios são os mesmos da literatura para qualquer gênero literário e faixa etária. Se você se remete ao plano do sistema literário em si, no Piauí, especificamente, continuamos sem uma política pública de leitura, que viabilize a circulação de obras de valor. O desafio maior é, sem dúvidas, o da circulação das obras, o da distribuição. Embora existam a ampliação do número de pequenas editoras atuando e perspectivas positivas como o recente projeto em tramitação da Assembleia Legislativa obrigando escolas públicas e privadas a reservarem um terço de obras paradidáticas para a literatura piauiense, o autor, de qualquer gênero literário e faixa etária, tem que possuir garra, entusiasmo e persistência para, além de escrever, buscar a circulação do livro. Falta também crítica literária sistemática nos jornais locais e crítica desprovida dessa coisa ridícula que é a categorização de autores porque pertencem a igrejinhas. Ainda somos provincianos nesse quesito; nossa literatura poderia estar adiante se o sistema literário não fosse tão fechado. Precisamos de mais empreendedores de mente aberta, empreendedores que coloquem a paixão pela literatura acima de interesses políticos ou preferências literárias.
Atualmente, as crianças e jovens estão buscando outro tipo de leitura, mais evoluída, sem esse caráter instrutivo de reflexão. Como você vê isso?
O que seria uma leitura mais evoluída? Texto com apelo erótico? Há escritor de linha dita moderninha que tem se encaminhado por esse rumo, para atender a moda do mercado editorial... Meu caminho é outro: já se escreveu abundantemente que toda alegoria acaba se transformando em metáfora. O meu ponto de partida é sempre uma imagens e as sensações e desdobramentos que provocam sobre minha imaginação de criança. A aventura, o fantástico, o maravilhoso, a ficção científica ou qualquer outra matriz – inclusive as alegorias de que tanto gosto - estão em toda a literatura e, independente do caminho seguido, o mais essencial é a habilidade em transformar histórias em um mundo de fascínio que aproxime a experiência humana da experiência de crianças e adolescentes de forma agradável, divertida e feliz.