A INAUGURAÇÃO DO TEATRO AMAZONAS
Rogel Samuel
“La Gioconda”, que inaugurou o Teatro Amazonas, é um dramalhão com estilo de Victor Hugo. O libreto é inspirado num conto de Victor Hugo, o “Angelo, tirano de Padoue”. O enredo é confuso, complexo. E longo. O cenário é Veneza do Século XVII.
Logo na Introdução há um grande baile comemorativo à vitória de um nobre na corrida de barcos. Todos dançam e bebem, uma população inteira. Muitos atores, é o exemplo da Grande Ópera italiana. Com vários papéis principais, um para cada voz.
A inauguração do TA estava ameaçada pela boataria do inimigos do Governador Fileto Pires Ferreira, que espalharam a mentira de que o teatro estava prestes a ruir, a desabar. O povo se retraiu. Houve medo. O Governo teve de reduzir o preço dos ingressos para conseguir lotar o teatro. Houve uma estranha “frieza” na população, que antes brigava na disputa de cadeiras do Éden Teatro, agora se recusava a ir ao novo teatro.
Mas, apesar de tudo, a inauguração do teatro foi um sucesso de público.
Não consegui ler nenhuma crítica teatral da época que me descrevesse a estreia.
Com os dados de que dispus, descrevi assim a inauguração, no meu romance Teatro Amazonas. Mas é uma obra de ficção, qualquer semelhança é mera coincidência:
“No dia 31 de dezembro de 1896 se inaugurou o Teatro Amazonas.
Inaugurou-se com “La Gioconda”, de Amilcare Ponchielli, sob a regência do maestro brasileiro Joaquim de Carvalho Franco, que foi diretor da Academia Amazonense de Belas Artes.
Carvalho Franco nasceu em Campinas, em 1858/59 e morreu em Manaus em 1927, onde se estabeleceu. Está enterrado no cemitério de São João Batista.
“La Gioconda” era uma novidade. Em 1896. Sua estréia mundial fora em 1876, com grande sucesso. A única das composições de Ponchielli (1834-1886) a ter sucesso e a manter-se no repertório dos teatros até hoje. Estreou no Teatro alla Scala de Milão, em 08 de abril de 1876 e Ponchielli revisou a obra pelo menos três vezes até o final da vida.
“La Gioconda” está na transição entre o romantismo e o realismo, reunindo elementos dos dois. Estilo de “grand-opera” francesa, carregada de melodrama, a ambientação exótica, com um balé no meio do espetáculo – a conhecida “Dança das Horas”, imortalizada por Walt Disney.
A ópera revela grandiosidade, cenários luxuosos, efeitos de cena, como o incêndio do segundo ato, grandes número de coro, orquestração densa. Exige um elenco de 12 cantores, seis dos quais podem ser considerados principais, com pelo menos uma grande ária para cada um deles.
Mas “La Gioconda” é precursora da escola realista da ópera italiana, com o vilão Barnaba, teatral, mais declamado do que cantado, e a violenta cena final, quando a protagonista comete suicídio num ato de extremo desespero.
O libreto é de Arrigo Boito, um dos artistas que fizeram a renovação do gênero. Mas Boito não acreditou no sucesso da ópera, e preferiu assinar com um anagrama, Tobia Gorrio.
O soprano que interpretar Gioconda tem as partes mais difíceis do espetáculo, cheio de recursos emotivos, alternando sentimentos de ternura, amor, ódio e desespero. O soprano canta exaustivamente nos três primeiros atos, antes de enfrentar o fim, no mais extremo esforço cênico e vocal, quando está dentro de um palácio em ruínas e prefere suicidar-se a ser morta.
É uma ópera cara, difícil.
A Gioconda de Manaus era Líbia Drog, soprano dramática. Ela era uma italiana belíssima, cotada na Itália, na Espanha e em São Petesburgo. Mas ficou famosa porque no Metropólitan Opera House, em novembro de 1894, na ópera Guillermo Tell, esqueceu o texto da ária de Matilde –Selva opaca - pondo em perigo toda a função.
Mas em Manaus ela teve uma atuação impecável.
A multidão que assistia do lado de fora a entrada dos convidados à inauguração viu chegar Raul de Azevedo e sua esposa, Sara. O casal ficou a passear nos jardins do teatro antes de entrar, pois o escritotor aproveitou para fumar.
A seguir apareceram Afonso de Carvalho, a esposa e alguns amigos. Era um grupo animado. Entraram logo.
Logo veio Joaquim Cardoso Ramalho Junior, com o filho (a esposa adoentada não veio). Mas quando apareceu Erico de Aguiar Picanço todas as pessoas que assistiam a entrada exclamaram um “oh!” de surpresa e admiração, pois Esmeralda Picanço portava as suas famosas esmeraldas: era um colar e brincos de esmeraldas e diamantes famosos na alta sociedade manauara, realçados pelo belo pescoço e o vestido de seda preta de sua dona. O vestido não tinha nenhum bordado nem enfeite. As esmeraldas e brilhantes iluminaram a entrada.
E assim foram chegando os convidados, que era elite do Norte do Brasil. Um dos últimos a chegar foi o Governado Fileto Pires Ferreira, com a esposa. E o último o ex-governador Eduardo Gonçalves Ribeiro, aplaudido pelo povo que estava na rua, desprezado pelos convidados de dentro. Eduardo Ribeiro, como sempre, veio com uniforme militar, acompanhado por dois soldados. Entrou rapidamente, atravessou o hall sem cumprimentar ninguém, subiu as escadarias com velocidade e sumiu no camarote. Os dois soldados não entraram, ficaram de guarda, na porta.
O Teatro ainda não estava ainda totalmente pronto. No “Salão Nobre”, em taças de cristal, servia-se o champanha La Grand Dame Veuve Clicquo. E se fazia política, conspirava-se. Conspirava-se contra o Governador Fileto Pires Ferreira, que já estava no camarote do Governo, conspirava-se contra Eduardo Ribeiro, que se escondera na penumbra. Em sussurros, no pé do ouvido, algumas figuras diziam: “- Fileto vai viajar para Paris...”
- Agora que Fileto e o negro estão rompidos é hora de agir, disse o outro.
No início do espetáculo falou o Governador Fileto Pires Ferreira, do alto do seu camarote central. Grande orador, inflamado, de improviso, inaugurou o Teatro. Seu discurso foi recebido friamente pela elite que já conspirava contra ele. E embora tivesse de relações rompidas com o ex-governador, anunciou:
- Temos a satisfação de ver entre nós o grande realizador da obra, o construtor deste imponente Teatro, o Governador Eduardo Ribeiro.
Neste momento irrompeu uma grande vaia, vinda de todos os lados.
E mais tarde, no meio da ópera, na “Dança das horas”, ouviu-se alguém gritar:
- É preciso eliminar o negro! – e uma gargalhada geral.
Eduardo Ribeiro naquele momento se retirou e nunca mais voltou ao teatro.”