A história de Eduardo Lacerda
Em: 17/10/2013, às 08H18
POR ANA PAULA FERRAZ
Há um ano, Eduardo Lacerda dorme no sofá da sala. As quatro paredes de seu quarto, do chão ao teto, e também a sua cama são tomadas por livros. Resiste apenas, num canto, ostentosa e protetora, a imagem de Iemanjá. Os mais de 2 mil exemplares, que também ocupam o hall de entrada e uma parte da sala da casa dos seus pais, no bairro de Sapopemba, zona leste de São Paulo, fazem parte do estoque da Patuá, editora independente fundada em 2011 por ele e sua ex-sócia, Aline Rocha. O catálogo conta com 150 títulos de autores estreantes, em sua maioria, poetas.
Lacerda, que é filho de pai de santo, explica: patuá é um amuleto de origem africana. “Para muitos, é uma forma de proteção, mas, para a gente, é uma forma de enfrentamento”, afirma corajosamente o editor e poeta que, há três anos, optou por viver de literatura. Supersticiosamente ou não, os resultados da Patuá têm sido muito bons. Alguns dos escritores revelados pela editora têm conquistado destaques em grandes jornais. O livro Vário Som, da poetisa Elisa Andrade Buzzo, inclusive, concorre este ano ao prêmio Jabuti, o principal de literatura no país. “Temos conseguido tudo isso, mas não é o objetivo. O que eu quero é ter liberdade de fazer coisas como publicar o primeiro livro de um menino que eu acredito. Isso é ser uma editora independente”, pontua.
Agito literário
Os eventos de lançamento da Patuá acontecem semanalmente e também são acontecimentos, com encontro de dezenas de prosadores e poetas que trocam ideias, informações e, claro, fofocas. “Não é um movimento literário, mas é uma movimentação literária”, diz. Lacerda pretende manter o catalogo da Patuá vivo: “Quero que um livro publicado hoje ainda esteja circulando daqui a dez anos”. Porém ele admite que isso depende muito de como o autor trata sua obra. “Há pessoas que encaram a publicação apenas como uma aventura.” Atualmente, a Patuá recebe para avaliação cerca de cem originais por mês. “Não dá para ler tudo.”
Foram dois anos apenas para planejar a editora e conseguir o investimento inicial de R$ 5 mil. Uma das soluções encontradas para a redução de custos é o modelo de impressão de livros – tiragens pequenas, de apenas 100 exemplares. “Até poucos anos atrás, quem quisesse fazer um livro tinha que imprimir, no mínimo, 500 exemplares. Mas encontramos uma gráfica que faz 50 com o mesmo valor unitário de uma tiragem de mil”, conta.
Negócios
Em 2013, a Patuá saiu do vermelho e hoje Lacerda consegue se dedicar apenas à editora. Vende, em média, 50 livros por lançamento, ao custo que vai de R$ 25 a R$ 35 cada, de acordo com o acabamento. Todos os livros são comercializados pelo site. “Evitamos trabalhar com as livrarias, que descontam 50% do preço de capa, mais frete.” A Patuá precisa vender 50 livros para recuperar o investimento de 100 livros editados. “Um autor que vende muito bem ajuda a recuperar um autor que vende menos, e assim todos os livros são importantes. A gente não mede um autor pela quantidade de livros que vendeu”, conta.
Neste ano, a editora recebeu um prêmio de R$ 50 mil da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que estão indo para a produção de 12 títulos com tiragem de 1.500 exemplares cada, os quais já começam a ser distribuídos para as bibliotecas. Para 2014, os planos são lançar de 10 a 15 livros de escritores inéditos por mês.
Paixão pela impressão
Lacerda se declara um apaixonado pela literatura e mais ainda pelos livros enquanto objeto. A paixão pela arte da impressão é antiga. “Na escola, pirei com o mimeógrafo e pedia para os professores para operar aquilo.” Foi também na escola que Lacerda começou sua experiência como editor, publicando o fanzine de uma banda da qual era fã. No curso de letras, na USP, que abandonou no último ano, ele lançou com Andréa Catrópa o jornal “O Casulo” para revelar poetas contemporâneos. “Eu queria saber quem era da minha idade e estava publicando. Meu contato com literatura foi sempre mais com os contemporâneos do que com os cânones”, diz. Durante um tempo em que passou desempregado, adquiriu, por sugestão dos pais, que mantêm uma oficina de roupas de umbanda nos fundos da casa, uma máquina de bordar. Hoje a máquina é usada para bordar sacolas que levam a reprodução da capa dos livros. Lacerda tem ainda um projeto de livro todo bordado. “Não deixa de ser uma outra forma de impressão.”
Publicado originalmente pelo O Sampa CriAtiva