A história de Chico Maroca
Em: 28/04/2020, às 21H22
José Pedro Araújo
No começo deste fatídico ano de 2020 – fatídico por nos ter brindado com a peste do tal Convid 19. Quanto ao resto, nada a reclamar - fui surpreendido por uma ligação do meu grande amigo Chico Acoram, entusiasta colaborador do nosso pequenino Blog Folhas Avulsas. Passava a mim, neste telefonema, a notícia de que estava preparando um livreto com a história de seu pai. Até aí, a notícia não nos trazia nada de fantástica, pois já esperávamos algo assim desde que o autor do contato havia me dito que gostaria de enfeixar em um livro suas crônicas publicadas no blog. A surpresa veio quando ele me disse que contaria a história da vida do seu pai em versos. Confesso ter ficado preocupado, uma vez que o bravo amigo estava se dedicando há muito pouco tempo à laboriosa forma de escrever nesse formato; e posto conhecer apenas trabalhos seus no campo das crônicas já mencionadas. Duvidar, contudo, nunca duvidei, de que ele preparava algo com muito cuidado e, se é possível dizer, com extremo “asseio literário”. Passei, então, a aguardar algo que deveria surgir – pensei - na segunda metade do ano, se muito rápido o Chico Carlos andasse.
Mas eis que me veio a segunda surpresa. Dias depois deste episódio que narrei da sua ligação telefônica, eis que recebo nova chamada dele com a afirmação de que o lançamento do livro já tinha data marcada. E me enviou por meio do WhatsApp, fotos da capa do livro já impresso. Estávamos no começo de fevereiro, portanto, não muitos dias após a sua primeira notícia de que estava trabalhando na história versificada do seu adorável pai.
Nesta última ligação, ele me convidava para o lançamento do livro e marcava a data do dia 13/02. Tudo assim, rápido e açodado, não muito dentro dos padrões do meu amigo, que pensa e repensa antes de fazer qualquer coisa, sobretudo quando o que que planeja se reveste de muita importância. Estava a me deparar com o novo Francisco Carlos Araújo que eu não conhecia, e que atacava de poeta popular. Digo novo, porque o que eu conhecia era meio preguiçoso, literariamente falando, precisava mesmo de uns empurrões para me enviar algo para publicar no blog. Agora, surgia esse, operoso, diligente, nervoso mesmo, no bom sentido da expectativa pela chegada do novo acontecimento que pretendia iminente.
Fui ao seu encontro no dia aprazado. Feliz com a oportunidade de participar do lançamento do primeiro livro do meu amigo dileto, dirigi-me à Livraria Entrelivros, espaço literário que tem se notabilizado por abrigar e organizar grandes eventos desse tipo em uma terra em que se dá pouca ênfase ao mister dos morejadores dessa seara. Deparei-me lá com um seleto grupo composto por alguns dos grandes escritores da terra mafrense, além de uns poucos amigos seus de trabalho.
Lançamento festivo dos mais animados, sem a sisudez de outros tantos por mim assistidos, o evento primava pela organização e pela animação. Contudo, animação, animação, mesmo, era a do pai da criança, digo, do autor que mostrava naquele momento a bela cria que apresentava ao mundo da narrativa escrita. Normalmente uma pessoa feliz, sorridente, o autor extravasava aquela alegria pouco contida dos pais de primeiro rebento, o que me fez lembrar da crônica de Josué Montello escrita na sua coluna no Jornal do Brasil, em que, ao relembrar o lançamento do seu primeiro livro Janelas Fechadas, dizia que “um mestre português, Afonso Lopes Vieira, chamava de sensualidade gráfica do escritor – do prazer efusivo de quem gosta de apertar contra o peito um menino bonito e rechonchudo”. Assim estava o nosso autor a acariciar com desvelo de pai extremoso a sua criação que vinha à luz naquela tarde.
E o que dizer da obra? Mesmo sem o conhecimento de um crítico literário, não tenho receios ao afirmar que se trata de obra rebuscada, uma criação à altura dos experientes cordelistas que tive o prazer de ler durante todos esses anos em que me debrucei neste ramo literário eminentemente nordestino. Autores como o grande Leandro Gomes de Barros, respeitado por muitos como o principal nome da arte cordelista, fizeram parte da minha apreciação. Chico Carlos produziu uma epopeia narrativa em estrofes que emociona ao mais duro dos seres humanos com a história, às vezes tristes, às vezes vitoriosa, do homenageado Francisco Maroca, que vem a ser o pai do artista.
Algumas das passagens descritas de forma quase romanesca pelo autor, eu já as conhecia de ouvir da sua própria boca. Contudo, sem o sentimento e o lirismo com que estava sendo contada agora em versos. As perseguições sofridas, as armadilhas urdidas por adversários inescrupulosos, ou mesmo as rasteiras tomadas da própria vida, só não foram maiores do que as vitórias alcançadas, os pontapés certeiros nos fundilhos da imoralidade ética, ou as alegrias desfrutadas ao conseguir elevar ao promontório da segurança a sua prolífica família. Para depois presenciá-la fora, portanto, do alcance dos espertalhões ou dos obtusos senhores feudais vestidos em trapos em vez das brilhantes indumentárias de cavaleiros medievais.
Imagino com que sentimento o seu livro de estreia deve ter sido lido por aqueles personagens que também compõe a história da vida do Chico Maroca. Imagino ainda, terem vertido, se não rios, pelo menos córregos de lágrimas, iguais em volume ao decantado Riachinho, quiçá ao Marataoan das suas lembranças diárias. Imagino, por fim, que o autor deve ter molhado com suas próprias lágrimas o teclado do seu computador no momento em que ia desfiando suas mais tristes lembranças de um período de sofrimento extremo, vivido nas duas cidades que ambientam a saga do mestre da vida, Chico Maroca. E até mesmo desatado o riso farto ao versificar suas passagens vitoriosas e seus dribles fantásticos aplicados nas dificuldades do cotidiano.
Lá se vão trinta anos desde que nos conhecemos, apresentados que fomos pelo nosso querido e saudoso amigo Dr. Rômulo, engenheiro agrônomo dos mais talentosos que conheci, um poliglota consumado que tinha na leitura um dos seus, talvez únicos, passatempos. Desde então, a nossa amizade só cresceu e se encorpou. Lá se vão também os dias em que o autor só se debruçava sobre números e planilhas financeiras, por conta da sua própria profissão de Contador. De lá para cá, veio-lhe a fase das grandes leituras, da troca de carinho com as brochuras, do aspirar o cheiro da tinta fresca das publicações literárias. Para, somente então, descobrir que poderia se tornar também, além de leitor compulsivo, um cidadão lido. E então passou a escrever as suas crônicas que logo passaram a chamar a atenção dos apreciadores da boa escrita e dos bons assuntos.
As duzentas e vinte uma estrofes que compõe a História de Chico Maroca são, portanto, o momento maior de afirmação do cultor das letras que se transformou em um beletrista refinado. É o que se pode deduzir ao chegarmos à contracapa do seu livro de estreia. Ficamos ansiando por mais, meu caro amigo! E que não tarde muito.
Publicado originalmente em https://josepedroaraujo.blogspot.com/