"(...) Walter Alves Neves conseguiu emplacar uma teoria sobre a ocupação do homem na América que dava de frente com a teoria dos poderosos cientistas norte-americanos e, trabalhando num país com pouca tradição em antropologia física, ajudou a levar a pesquisa na sua área para um novo patamar.
O pesquisador já estava acostumado a conflitos. Trabalhando como arqueólogo no Instituto de Pré- História da USP, onde começou a carreira, percebeu que a metodologia usada na arqueologia estava totalmente atrasada e tentou introduzir uma abordagem mais moderna, trazida dos Estados Unidos, onde fez parte do seu doutorado. Mas, foi demitido em 1985 por cientistas que não aceitavam as mudanças que ele propunha. Logo em seguida, trabalhou por quase dez anos no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, desenvolvendo trabalhos na área de antropologia ecológica, que estuda as adaptações de sociedades tradicionais ao ambiente.
Em 1989, após analisar alguns crânios da região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, percebeu que eles não seguiam o padrão mongol típico que, de acordo com a teoria americana, teria ocupado a América. Walter propôs então a teoria de que uma outra população, com traços africanos ou australianos, teria ocupado a América anteriormente, há cerca de 15 mil anos. Essa primeira leva teria sido eliminada ou assimilada em cruzamento pela população atual que chegou depois, há 10 mil anos. Sua ideia ganhou impulso com a descoberta do esqueleto de Luzia, e diversos outros achados no Brasil e no continente vieram a confirmar sua teoria. (...)"
Um dos nomes mais importantes no Brasil, falando-se em arqueologia e antropologia, Walter Neves diz sobre a importância da sua descoberta -- o esqueleto mais antigo encontrado na região metropolitana de Minas Gerais.
O POVO DE LUZIA: EM BUSCA DOS PRIMEIROS AMERICANOS
[OBRA DE
Prof. Dr. Walter Alves Neves,
Prof. Dr. Luis Beethoven Pilo]:
"Lançamento do livro “O povo de Luzia”
Editora Globo lança obra sobre a pré-história americana.
Após o lançamento na livraria Cultura no Rio de Janeiro, no dia 6 de março, Walter Neves, Luis Beethoven Piló convidam para o lançamento do livro "O povo de Luzia" no dia 16 de abril de 2008 no restaurante Dom Roblito na orla da lagoa.
"Fóssil power" a expressão hilária é de Walter Alves Neves, na apresentação de O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos, livro que escreveu em co-autoria com Luís Beethoven Piló, Walter, um dos mais renomados paleoantropólogos do Brasil, vai exibir o trabalho que desenvolve com uma equipe de arqueólogos na região de Lagoa Santa, paisagem rica em vestígios ancestrais que colocam o Brasil na linha de frente das evidências mais antigas da presença humana na América. O crânio recém-escavado com pelo menos 8.500 anos de idade, e da impressionante reconstituição da cabeça de Luzia, Walter e Piló vcai autografar exemplares desse livro que é a primeira síntese da pré-história do Brasil voltada para o grande público.
RESENHA
O povo de Luzia – Em busca dos primeiros americanos, escrito por dois pesquisadores brasileiros e apresentado por um jornalista especializado (Reinaldo J. Lopes), é o que seu subtítulo indica: a história da descoberta de uma história. A partir da narrativa de achados paleontológicos espetaculares feitos por brasileiros (entre os quais um dos autores) em Lagoa Santa, MG, narra de modo claro e instigante não apenas a saga dos primeiros americanos, como a saga correlata dos embates científicos envolvidos. Paralelamente, o livro, ilustrado com desenhos, diagramas, mapas e fotos, traz desde uma síntese da origem do homem e da teoria darwinista até uma descrição da fauna e da flora antigas da América, bem como discussões sobre os possíveis modos de vida de nossos ancestrais.
A corrente dominante na paleontologia americana defende, ou defendia até agora, a “datação Clóvis”, pela qual os primeiros humanos chegaram à América da Sibéria há cerca de 11.000 anos. O sítio de Clóvis, como os centros científicos que o defendem, fica nos Estados Unidos. O questionamento dessa datação, em conseqüência de descobertas brasileiras, implicou desde a mobilização de velhas acusações de imperialismo cultural (do lado sul-americano) e de insuficiência acadêmica (do norte-americano), até questões étnico-político-culturais. Pois a “datação Clóvis” significa que a colonização do continente se deu exclusivamente por povos asiáticos vindos por terra, enquanto as pesquisas brasileiras desenham outro quadro: 1) a ocupação americana é anterior a Clóvis; 2) ela se iniciou com povos de provável origem polinésia, vindos do Pacífico, depois desalojados pelos siberianos. Ou seja, as pesquisas brasileiras não deixam pedra sobre pedra da teoria central da paleontologia norte-americana.
A ciência está hoje no centro dos debates. De um lado, é a fiadora de grandes façanhas, do Hubble à engenharia genética. De outro, é alvo de duros ataques, que unem religiosos, ambientalistas e multiculturalistas. Dessa ambigüidade não escapa a paleontologia (mas escapa o livro, ao defender de forma firme a robustez do darwinismo). Entre outros motivos, porque a história escrita pela ciência é distinta da contada pelos mitos. E hoje é politicamente incorreto contestar os mitos de outras culturas. Se os ameríndios dizem que seus povos foram criados pelos deuses nos locais em que vivem, afirmar descenderem de asiáticos que cruzaram Behring na última Era Glacial ou, talvez pior, de polinésios que cruzaram o oceano, é uma forma de desrespeito – ainda que involuntário – ao mito tribal (como no caso do “Homem de Kennewick”, descrito no livro). Se não bastasse, há os próprios embates intracientíficos.
Há correntes dominantes em todas as áreas científicas, que eventualmente são questionadas por novas descobertas, como aqui. Quando tal ocorre, os cientistas tendem a se comportar com mais zelo que ousadia intelectual, defendendo verbas, carreiras e instituições erguidas sobre as teorias agora questionadas. O povo de Luzia – Em busca dos primeiros americanos está, enfim, no centro de tudo isso. Nas palavras do apresentador, “abre uma janela fascinante sobre a saga dos primeiros americanos e sobre o processo científico, [...] na voz profundamente pessoal dos autores, com toques de paixão, humor e ironia”.
DADOS DO PRODUTO
TÍTULO: O POVO DE LUZIA: EM BUSCA DOS PRIMEIROS AMERICANOS
ISBN: 9788525044181
IDIOMA:
ENCADERNAÇÃO: Brochura | Formato: 14 x 21 | 336 págs.
ANO DA OBRA/COPYRIGHT: 2008
ANO EDIÇÃO: 2008
AUTOR: Luis Beethoven Pilo | Walter Alves Neves"
"Arqueólogo mineiro defende nova teoria de povoação para a América
CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo
O arqueólogo mineiro Walter Alves Neves não consegue disfarçar um certo sorriso irônico ao ler em voz alta trechos de seu último trabalho científico, apresentado há algumas semanas num congresso de antropologia física nos EUA. "Eles vão ver quem é aberrante", diz.
O artigo, a ser submetido ao crivo da revista científica norte-americana "Science", traz novas análises de crânios encontrados num cemitério pré-histórico da região de Lagoa Santa, Minas Gerais. O "eles" a quem o arqueólogo se refere - com dois ou três termos menos elogiosos -, enquanto caminha entre livros e fragmentos de ossos em seu laboratório, no Instituto de Biociências da USP, é um grupo de pesquisadores americanos que considera absurdas as teorias de Neves sobre a chegada do homem ao continente americano.
Walter Neves e seus colaboradores, como o francês André Prous, da Universidade Federal de Minas Gerais, defendem a hipótese de que os primeiros habitantes do continente teriam tido um tipo físico completamente diferente daquele dos índios atuais. A principal evidência disso é um crânio humano desenterrado em 1975 no sítio de Lapa Vermelha 4, em Lagoa Santa. Batizado de "Luzia", o fóssil foi datado em 11.500 anos -o que o torna o ser humano mais antigo das Américas. As formas do crânio mostram que Luzia não tinha nada das feições mongolóides (asiáticas) dos índios americanos. Ela se parecia muito mais com populações da África e com os aborígenes da Austrália, o que pode significar que o povoamento do continente foi um processo complexo, que envolveu pelo menos quatro ondas migratórias - em vez das três atualmente propostas - e mesmo uma possível competição, vencida pelos asiáticos.
O modelo de Neves foi e ainda é atacado por pesquisadores dos Estados Unidos. As críticas mais pesadas vêm de Tom Dillehay, da Universidade de Kentucky. Para Dillehay, as medidas que aproximam o crânio de Luzia do dos africanos e dos nativos australianos podem até ser precisas, mas ela seria um indivíduo "aberrante", diferente da população à qual pertenceu. Em seu livro "The Settlement of the Americas" (O Povoamento das Américas), publicado nos EUA no ano passado, Dillehay afirma que é "simplesmente especulativo demais derivar padrões hemisféricos [de povoamento" de um único esqueleto, como alguns pesquisadores têm feito".
A agulhada é especialmente doída porque parte de um dos maiores especialistas do mundo em pré-história sul-americana. Foi Dillehay quem escavou o sítio de Monte Verde, no sul do Chile, cujas datações -12.500 anos- ajudaram a derrubar o paradigma da entrada recente do homem nas Américas, até então defendido em bloco pelos arqueólogos dos EUA, que monopolizavam as pesquisas na área. Ao dar o tiro de misericórdia no antigo modelo, Dillehay acabou abrindo caminho para várias explicações alternativas para o povoamento do continente - inclusive a hipótese de Neves.
"Se ele soubesse ler, não ficaria por aí dizendo essas coisas", ataca Neves. Segundo o pesquisador da USP, desde 1989 ele e sua equipe vêm publicando análises que mostram que a semelhança da chamada arquitetura craniana de Luzia com a das populações australo-melanésias não é um fenômeno isolado, mas algo que se repete em vários lugares do continente. "Só de Lagoa Santa temos 62 crânios medidos, 13 deles bem datados. O resultado é o mesmo", afirmou.
O troco O novo artigo, assinado por Neves, Prous e mais dois colaboradores, Max Blum e Joseph Powell (da Universidade do Novo México, EUA), é uma tentativa de enterrar de vez as críticas. Nele, os pesquisadores analisam ossos escavados por Prous nos anos 70 no sítio de Santana do Riacho 1, considerado pelo próprio Dillehay um dos mais promissores da América do Sul -ali podem estar evidências de ocupações muito antigas do continente, com idades superiores a 11 mil anos. Entre 1976 e 1979, Prous desenterrou pelo menos 40 esqueletos no local. Alguns deles datam de 8.000 a 11.000 anos atrás, o que os coloca no mesmo período de Luzia, o chamado Paleoíndio (termo que designa os primeiros americanos). O lugar, em si, é elucidativo, por ser o maior cemitério paleoíndio já escavado cientificamente nas Américas. Um dos grandes mistérios sobre os primeiros povoadores do continente é justamente a ausência de enterramentos que datem do Pleistoceno (a Idade do Gelo, que vai até cerca de 10 mil anos atrás). Da cultura pleistocênica mais conhecida, a Clovis, dos EUA, só sobraram pontas de lança. No restante da América do Norte, os esqueletos da Idade do Gelo são apenas indivíduos isolados, o que fez muitos arqueólogos suporem que os primeiros americanos queimassem seus mortos em vez de enterrá-los.
Em Santana do Riacho os esqueletos estão lá, em grandes quantidades. Os pesquisadores relatam que os enterramentos eram tão frequentes que, muitas vezes, a abertura de uma nova sepultura destruía outras. "Na América do Sul não existe esse mistério em relação aos esqueletos", afirma Walter Neves.
Dos 40 corpos escavados por Prous, 6 puderam ser medidos com algum grau de precisão por Neves, pelo chamado método dos componentes principais. A técnica consiste em analisar estatisticamente 19 variáveis craniométricas (os componentes principais), como largura da face, fossas nasais e órbitas. Um programa de computador, alimentado com essas informações, posiciona os traços do indivíduo em um gráfico, de acordo com as semelhanças com outros grupos populacionais cuja morfologia já foi medida.
Quando inseridos no gráfico, todos os indivíduos de Santana do Riacho 1, datados entre 8.500 e 9.500 anos, foram parar no "cluster" (grupo) ao qual pertencem os zulus, os australianos, os tasmanianos -e Luzia. "Os resultados obtidos mostram inquestionavelmente que a morfologia peculiar de Luzia não está só no Novo Mundo", diz o artigo. "De fato, todos os esqueletos paleoíndios estudados até agora em termos de morfologia craniana indicam que os primeiros sul-americanos não mostram traços de uma ancestralidade mongolóide."
Neves afirma ter mandado o artigo a Dillehay, sem ter obtido resposta. Procurado pela Folha, o arqueólogo americano não comentou a análise dos esqueletos de Santana do Riacho. Em entrevista ao jornal em março deste ano, Dillehay havia afirmado que Luzia era uma questão para os brasileiros resolverem. "Nunca fiz nenhum comentário sobre Luzia e não quero ser citado por isso", afirmou.
Geopolítica científica Por trás da briga de egos, a disputa em torno dos ossos de Lagoa Santa esconde uma questão geopolítica: a aceitação das pesquisas feitas na América do Sul pelos arqueólogos dos Estados Unidos -que, depois de décadas de hegemonia, ainda se sentem "donos" da pesquisa na área. O próprio Dillehay sofreu por anos o ceticismo de seus pares quando propôs, em 1976, que Monte Verde era mais velho que o sítio de Clovis (11.500 anos), até então tido como a primeira evidência de presença humana no continente.
Se ele, um americano, já teve problemas com o "establishment", as coisas se complicam mais ainda para o grupo brasileiro conseguir aceitação da hipótese do homem de Lagoa Santa. A teoria é rechaçada desde os anos 40, quando o arqueólogo francês Paul Rivet, diretor do Museu do Homem de Paris, propôs, sem o uso de nenhuma das ferramentas modernas da antropologia física, que os antigos habitantes daquela região de Minas eram diferentes dos índios atuais. "A morfologia esqueletal parece clara há muito tempo. Se os americanos não querem levar isso em conta é problema deles", disparou André Prous, conterrâneo e seguidor de Rivet.
Neves acredita que seu modelo não tem as falhas do de Rivet. "Ele foi massacrado porque propôs uma migração transpacífica [da Polinésia para a América do Sul" como forma de explicar a semelhança dos crânios de Lagoa Santa com os australo-melanésios", disse. Segundo ele, não há necessidade de evocar travessias oceânicas para explicar a entrada dos paleoíndios "negróides" no continente. A onda migratória que trouxe os parentes de Luzia teria seguido a rota tradicional, a da Beríngia, entre a Sibéria e o Alasca.
No mês que vem, Neves e sua equipe voltarão a Lagoa Santa, para procurar mais cemitérios paleoíndios -desde os anos 70 não se escavam novos esqueletos na região- que fortaleçam ainda mais a hipótese. Ao mesmo tempo, grupos buscam esqueletos pleistocênicos na América do Norte, que possam servir como tira-teima. Mas desses, por enquanto, os sinais ainda são poucos.