A fúnebre travessia

O fogo da labareda da serpente -  Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

 NEUZA MACHADO 

 

A narrativa ficcional O Amante das Amazonas é demonstrativa de “uma fúnebre travessia”, seja ela por caminhos sólidos, nas trilhas do pensamento da matéria terra ativada, ou em uma ficcional barca carontiana pós-moderna. Então, quem está no comando? Quem na verdade está no comando da travessia é o inconsciente fervilhante do dono do ato de narrar subjugado ao terceiro cogito de uma indiscutível consciência singular, transmutativa. Se o simbolismo da barca carontiana se sobressai, isto quer dizer que alguém irá morrer no decurso ficcional. Em verdade, muitos personagens irão morrer ao longo da narrativa. O próprio Seringal Manixi também perecerá, enquanto lugar de atividade extrativa da árvore da seringa, enquanto ocupação sócio-substancial. Se o Seringal permanecer vivo e atuante, não será pela via histórica do capitalismo selvagem de base familiar; permanecerá ativo graças ao poder ficcional do escritor pós-moderno aqui realçado. A gloriosa cidade de Manaus do princípio do século XX, com a sua posterior e riquíssima Zona Franca, por via ficcional, também perecerá, ao longo desta história incomum.

 

 

Quem se encarregará das diversas mortes? Quem se encarregará de denunciar essas mortes? As lembranças da “fresta negra” e dos vorazes, famintos, “ratos” (os quais engordaram aos custos de muitas vidas que pereceram ingloriamente), repito, as lembranças desses ratos da página 89, capítulo oito, ainda estão estimulantes, cálidas, roedoras, em meu íntimo reflexivo-interpretativo. E os diversos mortos desta incomum ficção? Não posso, racionalmente, “confiar” “ao túmulo ou à pira” os personagens que irão morrer, a começar dali, daquele místico capítulo TRÊS: NUMAS, ou seja, a partir desta “travessia” rogeliana/carontiana impecavelmente instigante. Assim como o narrador Ribamar de Sousa e o personagem Pierre Bataillon, terei de me camuflar também em Caronte/Intérprete; terei de atravessar o significado do rio infernal, deste Igarapé do Inferno, e me apropriar de todas as lendas desta fúnebre travessia, para enfim compreender o que este diferente narrador quis revelar aos seus leitores, tanto os do presente quanto os do futuro, nestas suas páginas diferenciadas.