ELMAR CARVALHO 

 

 

Assistindo a um documentário através da Netflix, tomei conhecimento de que uma espécie de morcego se alimenta do néctar das flores de um cactáceo imenso, algo como um mandacaru ituense, porém natural de certo deserto. A flor, muito bela, tinha a brancura imaculada de um lírio de um poema simbolista. Depois, fiquei sabendo que existem os morcegos beija-flores, que beijam outras flores. Por associação de ideias lembrei-me do título de um poema de Carlos Drummond de Andrade – A flor e a náusea.

 

A náusea, evidentemente, seria o morcego, que, para alguns delicados, poderia ser nauseabundo. Igualmente me lembrei de um título cinematográfico: A bela e a fera. Contudo, não posso deixar de reconhecer que existem belas mulheres que se apaixonaram por homens bastante feios, para dizer o mínimo, verdadeiros Quasímodos ou Vulcanos. De qualquer sorte, vejo poesia, arte e beleza nesses contrastes entre o belo e o feio.

 

Não pude deixar de fazer o contraste entre uma linda flor, sendo cortejada e afagada por um belo e elegante beija-flor, e outra, sendo bafejada e assediada por um morcego, que sequer é um pássaro, mas um mamífero, como todos sabem. Temos antológicos poemas que cantam as flores e os beija-flores, em magníficos versos recheados de agradáveis, belas e sonoras palavras.

 

As fotografias e as pinturas também mostram toda a formosura e encantamento das flores e dos colibris, que ficam a adejar graciosamente em torno de suas vegetais namoradas, enquanto lhes sugam delicadamente o pólen, contribuindo para a fertilização da natureza. Beleza e perfume parecem evolar dessas ilustrações.

 

Os morcegos, contudo, são associados a fatos aziagos e mesmo demoníacos. Em minha infância, vi um livro religioso, com desenhos terríveis, que me causaram assombro. Um demônio, com asas semelhantes às de um morcego, era esmagado pelo arcanjo Miguel. Também esses mamíferos voadores são tidos como servos de vampiros, inclusive do famigerado conde Drácula. Alguns sugam sangue, donde talvez lhes tenham atribuído a suposta ligação a esses seres maléficos.

 

Até as flores têm as suas diferenças, inclusive quanto à destinação. Umas são simples, despojadas, quase sem perfume, ao passo que outras são suntuosas, ostensivas em suas cores e formas, e exalam forte e agradável perfume. Em pesquisa na internet vi que o cantor e compositor Bob Marley teria escrito que “nem todas as flores têm a mesma sorte, umas enfeitam a vida e outras enfeitam a morte”. A metáfora, embora bonita e verdadeira, não é original, e o poeta Belmiro Braga também a expressou numa de suas trovas.

 

Os morcegos são vistos como seres feios e repulsivos. Muitos os consideram agoureiros. São expulsos das casas de forma sistemática. Ninguém lhes deseja a aproximação, muitos menos a convivência sob o mesmo teto. O poeta Augusto dos Anjos, que cantou o horrendo e a podridão de forma magnífica, em versos que vão ficar ressoando pela eternidade, também os fustigou de forma implacável: “Pego de um pau. Esforços faço. Chego / A tocá-lo. Minh'alma se concentra. / Que ventre produziu tão feio parto?!”

 

A Bíblia, entretanto, em sua sabedoria nos adverte para que não repudiemos nenhuma criatura, nem as que rastejam sobre o solo, nem as que cortam os ares na amplidão. Todas são obras de Deus. E todas têm a sua beleza e utilidade.