[Maria do Rosário Pedreira]

Fui recentemente ao Porto para o lançamento do último livro de Mário Cláudio, no qual encontrei o jornalista Valdemar Cruz. Gostei de o rever e estivemos bastante tempo à conversa sobre um assunto que tem andado nas páginas dos jornais. Com José Pedro Castanheira, Valdemar Cruz foi autor de A Filha Rebelde, livro que editei há vários anos e que, abreviando, relata a rebeldia de Annie Silva Pais, filha do então director da PIDE, que fugiu para Cuba e se apaixonou por Che Guevara. O livro vendeu-se bem e não causou quaisquer perturbações de maior na época. Porém, mais recentemente, Margarida Fonseca Santos escreveu uma peça de teatro a partir desse texto e, de repente, caiu o Carmo e a Trindade! Os sobrinhos do falecido director da PIDE não gostaram e acusam-na de manchar o «bom» nome do tio que, ao que se sabe, até torturou muita gente, mas para a família continua um santo. A indemnização pedida à autora da peça é, de resto, tão miserável que ou os sobrinhos já sabem que vão perder a causa e querem pagar o menos possível pelas custas do processo, ou realmente a honra do falecido não vale mesmo mais do que isso – e nada vale, para sermos sinceros. Mas lá que o caso chegou aos tribunais e ninguém sabe como vai ser o desfecho isso não se pode negar – e parece incrível que, trinta e sete anos passados da queda do antigo regime, ainda haja quem peça segredo do horror ou, pior, que se faça vénia a um fascista. E ainda mais estranho é que aos sobrinhos o livro tenha passado ao lado, o que, em certa medida, deve querer dizer que as livrarias são lugares aonde nunca vão. Leia-se, pois, A Filha Rebelde para dar razão e apoio à dramaturga, que tem uma página no Facebook onde nos podemos indignar à vontade sem nos porem processos.