A ESTÉTICA INSUBTERRÂNEA

Por Meneses Y Morais

“O. G Rego de Carvalho – Fortuna Crítica” – de Kernard Kruel – é livro indispensável para leitores e estudiosos do autor de “Rio Subterrâneo” Menezes y Morais * O. G. Rêgo de Carvalho nasceu em 1930 (25/01), tendo, já de cara, aportado no planeta no mesmo ano em que acontece um dos maiores acontecimentos históricos no Brasil: o golpe de Estado liderado pelo ex-militar Getúlio Vargas. Um ano antes (1929) o capitalismo vivera uma de suas piores crises (a quebra da bolsa de Nova York), que respingou violentamente em todas as economias de mercado periféricos e países em desenvolvimento, como a Alemanha, onde contribuiu para o fortalecimento do Nazismo, que ensaiava a tomada do poder pela via pacífica. É neste 29 que o escritor piauiense (Oeiras) ambienta o romance “Somos Todos Inocentes”, abstendo-se de qualquer enfoque histórico, fora da vida privada, aliás, indispensável. Hoje, aos 78 anos, O. G. Rêgo de Carvalho, talento e qualidade literária e estética há muito consolidados, não tem mais, naquele longínquo 1930, um ano competidor, como fato histórico: além do golpe de Estado de Vargas – chamado de revolução porque mudou a infra-estrutura e iniciou a mordenização do Brasil – ter construído alianças no Piauí – a década de 1930 na terra do poeta H. Dobal e de M. Paulo Nunes, também conta, como fato histórico, o nascimento de um certo – como diria João Guimarães Rosa – Orlando Geraldo Rêgo de Carvalho.


DIGO ISTO PORQUE o livro “O Piauí no Século XX – 100 fatos que marcaram o Estado de 1900 a 2000” –, de autoria do jornalista e escritor Zózimo Tavares, não inclui o nascimento de O. G. como um daqueles acontecimentos. O que não tira o mérito do livro de Zózimo, de leitura indispensável para qualquer historiador que pretenda debruçar-se sobra a História do Brasil e que pretenda falar sobre o Piauí. Agora, o autor de “Somos Todos Inocentes” ganha mais do que uma homenagem merecida, o livro “O. G. Rêgo de Carvalho – Fortuna Crítica” – do jornalista e escritor Kenard Kruel Fagundes dos Santos. Em tempo: quem deu o título de “Somos Todos Inocentes” ao romance que se chamava “Os Ex-culpados” foi Ênio da Silveira, grande editor, um dos maiores intelectuais brasileiros e que foi muito perseguido pela ditadura militar. Eu fui apresentado ao Ênio na Alemanha, em 1994, pelo hoje presidente da Academia Brasileira de Letras, Cícero Sandroni. Pelas páginas do livro de Kenard Kruel desfilam vestígios de duas vertentes históricas: a história pessoal do vencedor O. G. Rêgo – que formou-se em Direito e nunca foi buscar o diploma - e a história cultural do Piauí, com ênfase, é claro, em Teresina. Existem outros valores agregados (para eu preciosos) ao livro de Kenard Kruel: verdadeiras aulas de crítica literária em si, como as resenhas assinadas, entre outros, por Hélio Pólvora, Mário da Silva Brito (até agora o melhor historiador da Semana de Arte Moderna, 1922), Igor Achatkin, Esdras do Nascimento, Cineas Santos, Pompílio Santos, Francisco Miguel de Moura. Isso sem falar em Assis Brasil e a minipolêmica que provoca, involutariamente. Chico Miguel, como o chamam na intimidade, aliás, é injustiçado numa resenha – salvo melhor memória – do saudoso e querido Hélio Pólvora, ao exigir do autor de “Linguagem e Comunicação em O. Rego de Carvalho” uma análise psicológica das personagens; Miguel de Moura deixa claro que o seu enfoque delimita-se à questão da linguagem e da comunicação. Aproveito para dizer: quando migrei do Piauí para estudar Jornalismo no Rio de Janeiro (1975), conheci Hélio Pólvora, mais precisamente na redação do Jornal do Brasil, onde trabalhei como repórter (graças a indicação do saudoso Odilon Costa, filho) e Hélio Pólvora era editorialista. Guardo as melhores lembranças de Hélio Pólvora, apresentou-se ao também editorialista e saudoso Antônio Callado e quando ia apresentar-se à poderosa Clarice Lispector, já com dia marcado e tudo, ela fora para o céu dias antes do combinado de Hélio levar-se ao apartamento da autora de “A Via Crucis do Corpo”.


VAMOS AO QUE INTERESSA: “O. G. Rêgo de Carvalho – Fortuna Crítica” – tem ainda o mérito iconográfico, são mais de uma dezenas de fotografias históricas que muito me sensibilizaram ao lê-lo e delas quero aqui falar especialmente de um personagem, para mim histórico, numa História da Cultura Piauiense: Antônio Nobre Aguiar. À Livraria Dilertec, ou livraria do Nobre, como chamávamos, eu e mais meia dúzia de companheiros íamos pelo menos uma vez por semana – William Melo Soares, Zémagão (que Deus o tenha), F. Eduardo Lopes, Jorbacilomar, Josemar da Silva Neres, Albert Piauí – era também um ponto de convergência da resistência cultural à ditadura militar. Num certo dia do mês de agosto de 1979, ao saber que eu havia aniversariado (quase no final de julho), Nobre presenteou-me com o livro “Teorias Econômicas – de Marx a Keynes”, de autoria de Joseph A. Schumpeter – que, aliás, ainda não li, mas vou lê-lo neste 2008 – com a dedicatória: “Ao jovem Menezes, pela sua constante atividade em favor do livro e à causa da Imprensa”. Esse era o Nobre, sutil, elegante, só vestia roupa branca, a exemplo dos poetas queridos Emile Dickson (1830-1886) e Thiago de Mello. São raras as figuras como o Nobre. Falo dele aqui por culpa do livro de Kenard Kruel, que agora prepara outro torpedo histórico, a fortuna crítica de Torquato Neto. Que venha logo. “O. G. Rêgo de Carvalho – Fortuna Crítica” - a despeito de qualquer conspiração do silêncio que o obscurantismo possa tecer em torno dele – foi muito bem recebido pela comunidade piauiense residente no Distrito Federal; refiro-me àqueles que fazem parte da Acampi - Associação Cultural Amigos do Piauí (http://www.acampi.com.br/). Dos 15 exemplares que me foram enviados por KK, através do meu filho Pablo, como pagamento dos direitos autorais – tem uma entrevista que fiz com O. G., publicada quando eu era editor do Segundo Caderno do jornal O Dia, onde me iniciei na profissão de jornalista - vendi 13 (e dei um de presente) aos conterrâneos e vi em seus rostos a alegria, o carinho, o respeito e o orgulho que nutrem pelo autor de “Ulysses Entre o Amor e a Morte”. Com o dinheiro que apurei, nesses tempos de pobreza franciscana, paguei uma conta de telefone (internet), que estava em vias de corte. Isso é outro papo.


QUERO DIZER TAMBÉM que sinto saudades das conversas que tive com O. G. sobre Literatura, especialmente poesia. Lembro de uma definição que ele me fez sobre rima: “É pobreza de expressão”. Perfeita. Lembro também que foi ele quem me “apresentou” o nosso querido Mário Faustino, ao presentear-me com o livro “Poesia de Mário Faustino” (1976), organizado pelo querido Benedito Nunes, com orelha assinada por Paulo Francis - Civilização Brasileira, exemplar de n° 0160 – naquele tempo os livros eram numerados - e que também guardo poéticas lembranças da mãe de O. G, dona Aracy, que atendia aos visitantes, quando eu aproveitava passeios pelo centro de Teresina e incluía no roteiro visitas ao O. G. em sua residência. Enfim, o livro de Kenard Kruel sobre O. G. Reúne a fortuna crítica sintetizada e sistematizada pelo professor Fabiano de Cristo Rios Nogueira, em “O Mundo Degradado de Lucínio – a Incomunicabilidade em Rio Subterrâneo”. Devo dizer ainda: na década de 1970 fiz uma palestra em Teresina no auditório Herbert Parentes Fortes - onde produzi e organizei as Mesas de Debates, cujo cartaz foi criado por Albert Piauí (e num belo dia por lá apareceu um estudante secundarista, contista, chamado Wellington Dias, hoje governador do Estado) – chamada “Loucura e Decadência no Romance de O. Rêgo de Carvalho”, transformada em ensaio, para um livro inédito sobre o gênero, a qual o autor sempre me pediu uma cópia e eu até hoje não o atendi. Estou em falta, mas um dia o livro sai. Charles Baudelaire (1821-1867) dizia: “Quanto mais produzimos, mais nos tornamos fecundos”. É verdade, mas em tudo há exceção: existem autores que produziram pouco e que também se tornaram fecundos. Cito um que me vem à memória neste instante: Gustave Flaubert. O G. Rego é outro. De Kenard Kruel, que começou sua incursão pela história com “Gonçalo Cavalcanti – o político e sua época”, em 2005, seguindo com “Djalma Veloso – o político e sua época”, em 2006 – espera-se que preste mais este trabalho à cultura piauiense e brasileira com o trabalho sobre Torquato de Araújo Pereira Neto. A História é muito importante para ficar como monopólio dos historiadores, assim como a Economia para os economistas e o Direito para os advogados. O Piauí vem revelando pára historiadores como Chico Castro (“A Coluna Prestes no Piauí”), Zózimo Tavares (“Pra Seu Governo” e “O Piauí no Século XX”). Aleluia!


* Menezes y Morais é jornalista, escritor, professor e historiador piauiense.


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SERVIÇO: O. G. RÊGO DE CARVALHO – Fortuna Crítica – Kenard Kruel – 356 páginas. Zodíaco – Teresina - Piauí – 2007

Na foto, em pé: Antônio Nobre e Cineas Santos. Sentados: O. G. Rêgo de Carvalho, Herculano Moraes e o professor Didácio Silva.

Publicado originalmente em http://kenardkruel2.blogspot.com/