A era do miniconto
Por Bráulio Tavares Em: 18/03/2010, às 13H09
Bráulio Tavares
Dos contos tradicionais aos concursos de textos em uma linha, histórias enxutas brincam com a imaginação do leitor.
Que tamanho deve ter um conto? Os critérios editoriais definem a extensão de um texto pelo número de caracteres ou palavras. O mercado literário norte-americano, mais industrializado e preciso do que o nosso, define quatro faixas de extensão: Conto, até 7.500 palavras; Noveleta, de 7.500 a 17.500; Novela de 17.500 a 40.000; Romance, de 40.000 em diante.
Edgar Allan Poe definiu o conto, de maneira pragmática e intuitiva, como "narrativa curta, cuja leitura atenta requer de meia hora a uma ou duas horas". Tinha em visto o que ele chamava de unidade de efeito. O conto deveria ser curto para não ser interrompido. Ser uma experiência mental única, contínua, do comêço até o fim, para que não diluíssem as tensões, e o desfecho tivesse toda a carga emocional preparada pelo autor. Curiosamente, a duração que ele preconizava para o conto é a que tem um longa-metragem comercial. E qualquer espectador de cinema mais exigente sabe que a ex periência de ver um filme na TV "quebra o efeito" por causa dos intervalos comerciais. Tanto conto como filme devem, idealmente, ser uma experiênciamental ininterrupta.
Isso se torna mais fácil quando praticamos o "miniconto". Para ele não há limite específico, mas podemos considerar minicontos aqueles de duas páginas ou menos. Revistas literárias de língua inglesa promovem de vez em quando concursos de para contos com só seis palavras. O modelo é um texto de Ernest Hemingway: "For sale: baby shoes, never Worn" (Vende-se : sapatos de bebê , sem uso). Há toda uma tragédia familiar por trás desse minitexto.
O miniconto procura sugerir, já que não pode descrever ou narrar muita coisa. Em oficinas literárias ou de roteiro, vez por outra os alunos recebem a tarefa: "Conte sua historia em uma frase. Depois, em dez linhas. Depois, em trinta linhas; e em 200 linhas". Quem for capaz de manter precisão e coerência ao longo dessas etapas provavelmente será capaz de escrever um roteiro de 120 páginas. A concisão é virtude em jogo na era eletrônica e seu espaço sem limites. Antigamente, escrevíamos pensando no número de toques por linha (eram 70) e no de linhas por lauda (30). Compactar qualquer história em seis palavras nos traz de volta essa antiga disciplina.
A revista Wired promoveu certa vez um concurso de contos fantásticos e de ficção científica em seis palavras. Tarefa difícil, uma vez que é preciso sugerir, além da história, uma ambientação com a qual o leitor, a princípio, não tem familiaridade. Mesmo assim, houve tentativas bem-sucedidas. Como a de Eileen Gunn: "Computador? Trouxemos baterias?... Alô! Computador? Computador?...". Não precisa mais nada para imaginarmos uma nave silenciosamente à deriva no espaço, cheia de astronautas congelados.
Gregory Maguire propôs: "Nos arranha-céus calcinados, homens criaram asas". É um cenário pós catástrofe, que lembra quadrinhos de super-heróis. Viagens no tempo são caminhos interessantes para essas narrativas super-rápidas. Harry Harrison propõe: "Máquina chega ao futuro. Ninguém lá...". Um recurso operacional, meio clichê, mas eficaz nas dimensões do miniconto, é a historieta de Allan Moore: "Tempo. Sem querer, inventei máquina do". E tem a humorística hipótese de David Brin: "Dinossauros retornam. Querem petróleo de volta".
Outra publicação, a revista on-line Smith, lançou a seus leitores um desafio parecido: contar em seis páginas a própria vvida. O quesito verossimilhança ficou fora de questão, pois os editores não poderiam checar se o que cada um afirmava de si era verdade ou não - mas é o que menos importa.
Algumas sínteses foram cronológicas e humoradas, como a de Dick Hadfield: "Feto, filho, irmão, marido, pai, vegetal". Outras foram visualmente eficazes: "Cabeça entre livros, pés sobre flores".