A ERA DO "FORA"
Por Cunha e Silva Filho Em: 25/10/2017, às 15H24
A ERA DO "FORA"
Cunha e Silva Filho
Há um sem-número de explicações para a sociedade ou parte da sociedade civil indignar-se nos tempos atuais, ainda mais instrumentalizados que estamos com recursos das várias mídias que nos cercam globalmente. Esse é, sem dúvida, um fenômeno social diante do que se ouve, se vê e se comenta, sobretudo de governos e instituições que não estão atendendo às massas em conjunto.
Contudo, concentremo-nos no exemplo brasileiro dos últimos anos, quer dizer, aproximadamente dos governos da chamada era Collor até nosso dias. Todo esse longo período se caracteriza por manifestações, passeatas e protestos contra os sucessivos governos federais, sobretudo.
Essa era dos “Fora” – palavra de ordem vista em cartazes não só no Brasil mas em vários países do Ocidente, do Oriente, de vez em quando, através do clamor das suas populações, demonstra a insatisfação e a repulsa por dirigentes que não mais comungam com os interesses de vasta parte da sociedade.
O tempo da passividade dos povos está desaparecendo da vida planetária e os dirigentes das nações devem atentar para essa mudança que está a caminho à medida que a civilização vai amadurecendo e tomando consciência dos seus problemas e de sua cidadania. Mesmo em países não democráticos algum dia essa mudança tenderá a acontecer.
Tenho convicção de que os mecanismos de repressão ainda estão muito firmes e prestes para agirem, porém haverá tempo para mudanças. A liberdade dos povos é inegociável. Não há felicidade sem a liberdade de expressão, de ir e vir. Por isso, é indesejável e revoltante a censura de qualquer natureza, principalmente a censura contra todas as formas de representação artística.
A insubmissão, na maior das vezes, sintetiza uma situação geral, fruto de arbitrariedades, de autoritarismos e da percepção coletiva de que governantes agem mal, governam mal ou submetem o povo à aceitação de suas desídias e de seu arbítrio. Tanto pode ocorrer em países não democráticos como em países disfarçados de democracia ou mesmo democráticos, porém praticantes de ações que desagradam os direitos dos povos. A força das massas hoje é muito mais atuante e coesa, a despeito das divergências de tendências ideológicas, contra atitudes discricionárias de mandatários.
Em parte isso se deve às mudanças operadas nos meios de comunicação, hoje dominados pela era digital, pelos compartilhamentos de usuários de redes sociais, como o Facebook, o twitter, o e-mail, o whatsAp, o utube, e outras formas de comunicação instantânea, todas praticamente interligadas. Ideologias e contraideologias se veiculam em cifras de milhões de usuários dessas redes. Por assim dizer, o Facebook, hoje, virou um verdadeiro fórum de interlocução em vários níveis e segmentos sociais, e culturais. Escritores, pensadores, intelectuais dele fazem uso para divulgar seus trabalhos, suas obras, suas ideias. Se há um lado hedonista, narcísico e muita futilidades e exibicionismos idiossincráticos, esse canal nacional e internacional de comunicação instantânea tem muitas vantagens e é um incontestável incentivador cultural. O que é mais: tem um alto alcance democrático. Todo mundo nele pode opinar, mostrar seus talentos, suas produções na ficção, na poesia, no ensaio etc., ou ainda remeter as pessoas a outras espaços virtuais: blogs, sites, vídeos etc. O Facebook tem, assim, uma função social de alta pertinência: agrega pessoas, aproxima-as entre si, é interativo e uma saudável maneira de melhorar as relações afetivas, os laços de amizade. Se for usado com moderação, sem se tornar um vício e uma dependência, a sua finalidade possui mais qualidades do que defeitos e é uma grande ferramenta no desenvolvimento da habilidade escrita do usuário.
Em consonância com esses tempos planetários, eis um assunto que perpassa a vida cotidiana do brasileiro às voltas com tantos escândalos provenientes de ações e comportamentos governamentais indecorosos, imorais e aéticos gerados no epicentro dos poderes executivo, legislativo e até judiciário segundo podemos confirmar o fato pelas críticas acirradas de diferentes segmentos da população brasileira. É notório ressaltar que não podemos tampouco desconhecer estar a nação um tanto ainda dividida ideologicamente sem que sinais de um entendimento comum maior sejam apontados no horizonte das incertezas em que todos estamos mergulhados.
Por outro lado, não podemos esconder uma constatação: os opositores extremados do PT não se deixaram enganar pelo atual governo Temer em que pese estar parte considerável da mídia, escrita televisiva ou digital anunciando melhoras para a economia que, segundo a equipe do governo e o próprio presidente da República, está nos trilhos e em franca expansão. No entanto, essa é uma meia verdade porque não é só a economia que leva um governo a uma situação de melhoria. De nada adiante ter-se um governo com recurso se esse não é logo canalizado a reverter os graves problemas que enfrenta em setores de grande relevância à normalidade de uma país: a saúde, a educação, o transporte e, no nosso caso, a segurança. Não é apenas economia supostamente melhorada fator determinante a um governo de bem-estar social. Vejamos adiante que fatores são determinantes para uma país saudável e feliz.
Comecemos pelo próprio fundamento da estrutura política do Brasil fazendo algumas indagações nada despiciendas:1) Como pode um governo sustentar-se à custa de ações do executivo que o desabonem moralmente, como o escândalo que ora está acontecendo no seio do legislativo em consonância com o executivo?; 2) É digno de manter-se um presidente que compra partidos, melhor dizendo, parlamentares, com emendas vultosas, cargos, benefícios (o que é, ipso facto, mais uma manifestação da corrupção e, por conseguinte, mais agravante e perniciosa) a fim de ganhar/mercadejar despudoramente votos para se manter no poder a todo o custo, votos que livrariam o chefe do executivo das denúncias de corrupção e escambos de propinas, porquanto a passiva é uma modalidade de propina?;3) É lícito que um presidente da República mantenha, na cúpula de seu governo, pessoas investigadas por corrupção?;4) É legal que o detentor do maior cargo da nação concorde com propostas de mudanças na Previdência (sobretudo na questão do tempo de aposentadoria) e nas leis trabalhistas que resultem em perdas de direitos adquiridos em longos anos de vigências de leis de amparo aos aposentados, pensionistas e trabalhadores em geral?; 5) É honroso que um presidente faça vista grossa permitindo que leis escravocratas sejam aprovadas e provoquem retrocessos abomináveis, com repercussão negativa em organismos internacionais, na área trabalhista, mudanças estas que, se aprovadas, instituiriam no campo o trabalho-escravo (!) em pleno século XXI? Infelizmente, essa escabrosa tentativa de aprovação dessa lei, dada a repercussão negativa que teve, não vingou.
E mais, tudo isso para conseguir votos suficientes de parlamentares ruralistas para evitar o afastamento e cassação de um presidente com quase nula aprovação popular? O expediente, a meu ver, de exonerar, ad hoc, ministros aliados do governo com o objetivo único de aumentar a lista de votantes contra a denúncia que pesa sobre o presidente é, no mínimo, imoral. Tais atitudes do governo federal, por si sós, seriam suficientes a fim de que ele tivesse o mesmo destino da Dilma, ainda mais tendo em conta que ele foi vice-presidente dela, esteve com ela em campanha para a presidência. Fazia, portanto, parte do governo petista e ainda por cima, pertence a um partido que, historicamente, não é flor que se cheire, sendo, talvez, mais repudiado do que o próprio PT.
O avanço da economia de um país só seria oportuno e bem-vindo se fosse acompanhado de reais mudanças de condições da vida do povo. Um país rico não significa necessariamente um país com igualdade e justiça social, com segurança e ausência de corrupção. Tampouco um país rico significa ausência de impunidade porque a riqueza pode ser fruto da impunidade e só vai servir a minorias privilegiadas. Isso pode ser visto em países como os Estados Unidos, onde há também miséria, violência e outros males sociais.
A riqueza econômica, se beneficiar só os milionários, não será plenamente democrática nem faz um povo feliz. É preciso que o todo da estrutura política e das instituições de um governo, de sua máquina administrativa sejam efetivamente abrangentes e harmônicas na distribuição da riqueza nacional. Isso não se concretiza se há pequenos grupos sociais que detêm essa riqueza. A riqueza que se distribui a uma minoria de milionários é causa também da indignação, da violência e da pobreza.
Há um fator determinante da felicidade de uma nação que é inarredável do salto qualitativo ao bem-estar de um país: a educação. Assim se deu com o Japão e com outros países que investiram maciçamente no ensino, com professores valorizados, com ensino de alta qualidade, com universidades públicas funcionando plenamente e com autonomia, com boas escolas públicas do ensino fundamental e médio. Em todos os níveis de ensino devem elas ser protegidas pelo governo federal, para isso prestigiando muito o Ministério da Educação.
Tais universidades públicas (federais ou estaduais), devem ser transformadas em centros de alta produção do conhecimento humano e com elevado padrão científico-tecnológico. Ao lado da educação seguem-se os cuidados com a saúde pública, o funcionamento dos hospitais com profissionais da área médica ou paramédica igualmente valorizados, atualizados, com um quadro administrativo competente, valorizado e vocacionado para as suas diversas funções, com a segurança pública ( polícia militar, polícia civil, guarda municipal, corpo de bombeiros) que tenha o respeito da população e seja remunerada à altura das suas relevantes funções de proteger a sociedade e, finalmente, que o país seja servido por um transporte de massa eficiente, atuante, seguro, confortável e digno da aprovação do cidadão que dele necessite para locomover-se de casa ao trabalho ou vice-versa. Seriam essas conquistas sociais utópicas? Não. Tudo isso depende do nível de moralidade, competência e vontade de um governante comprometido civicamente em servir seu país e seu povo.
As múltiplas deficiências do Estado Brasileiro são responsáveis por todas as nossas mazelas. Se os quadros políticos não se derem ao respeito, se não saírem dessa desordem geral em que estão afundados, se não houver uma mudança radical em nosso sistema de eleição que venha impedir a continuidade dos velhos e abomináveis hábitos políticos, do compadrio, do nepotismo, do corporativismo execrável, do número excessivo de parlamentares, da procura da política para benefício pessoal ou de grupos, do lobbysmo e de outras podridões infestando o nosso sistema político, não daremos um só passo em direção a uma nova política brasileira voltada para a sociedade e sobretudo para os que mais sofrem com decisões e ações dos governos, os desassistidos do poder público: pobres, marginalizados, analfabetos, aposentados e pensionistas que recebem minguados vencimentos e passam a velhice privados de tudo.
Se no país há ainda tantos privilegiados pelo poder público, há milhões que precisam de mais justiça, saúde, hospitais, mais transporte e – por que não? – melhores proventos de aposentadoria. Se considerarmos o nível dessa população desfavorecida, não poderemos afirmar que somos uma democracia. Longe disso.