Cunha e Silva Filho
 

                      Há belezas que só com o tempo descobrimos na sua plenitude e no seu justo valor. Elas nos surpreendem como instantâneos epifãnicos. Iluminam de repente nossa tranqüila e insossa cotidianidade. Estavam ocultas, disfarçadas pela aparente trivialidade da faina doméstica. Os brotos – não sei por que razão – não se abriam, até que, um dia, desabrocham e se tornam flores.
As flores nasceram da dor e do sofrimento e foi preciso que o tempo amadurecesse tudo, corpo e alma, pontos de vista, visão do mundo, que só a experiência traz e por vezes consolida, pois nem toda experiência  é definitiva e paradigmática.. Tudo muda. Aquele amadurecimento foi necessário a fim de que os frutos da palavra certa, justa, eloquente despontassem poderosos, iguais a uma torrente despencando em forma de cascata.
                      Na sua pessoa, na convivência de quatro décadas, só agora percebo, com a nitidez cristalina, o milagre da palavra na sua oralidade livre, espontânea, fluida e magistralmente eloquente. Até me parece que a riqueza dos enunciados, em forma de preces, não provém de seus lábios, da sua voz, do seu interior, mas, ao contrário, é-lhe transferida pela voz divina de natureza puramente cristã.
                      De onde brota tanta força verbal que lhe vem organizada, coerente, lógica e sobretudo plena de humildade, de devoção, de unção, de fé, porém dessa fé que só aos eleitos é concedida por um Ser Maior que lhe infunde, de improviso, a prece inspirada nos Salmos bíblicos ou em outras passagens da Bíblia? Quem poderia explicar esse mistério de quem nem mesmo leu na íntegra o Livro dos livros? Seu aprendizado bíblico vem apenas do convívio com freiras em colégio interno e com a experiência distante e fugidia da infância no aprendizado do catecismo como preparação para a primeira comunhão, ou mesmo com a frequência, talvez nem tão regular, na companhia da mãe, às missas do interior de sua terra natal.
                    Dona de casa, do lar, mãe de dois filhos, avó de duas netas. É dessa criatura, inteligente sem dúvida, mas não tanto ardorosa leitora, que Salmos (ou outras passagens bíblicas)  conseguem , com viva inteligência, ter    hermenuticamente  captados ,seu sentido  central.  Salmos ou passagens que, nos seus lábios, tornam-se, logo após sua leitura , uma magnífica prece graças à invulgar capacidade de sua compreensão transmitida pela palavra que lhe sai fácil, dadivosa, ferindo todas as nossas fibras da emoção e da razão a um só tempo.
                  Tanta gente há tão cheia de conhecimentos eruditos, artísticos, científicos que não seria capaz de, após a leitura de um Salmo, pronunciar algumas palavras em forma de prece, dessa prece que promana do fundo d’alma com a beleza, a facilidade e o talento de transmudarem nossos estados de espírito e elevar-nos aos píncaros da sabedoria da vida, da real importância da fé e da pureza do ser diante dos mistérios divinos.
                 Elza, minha amiga, minha companheira querida de tantos anos, esposa devotada inteiramente à família, continue cultivando esse dom, que certamente vem dos Céus, do qual foi superiormente dotada. Pela força e inspiração do Verbo, você vem transfundindo, todas as noites, antes de dormir, textos sagrados em preces maravilhosamente improvisadas, com a clareza e genial fluência comunicativa e com elas dando testemunhos das verdades eternas provenientes do Livro de Deus.