A ELEGÂNCIA DOS FELINOS
Por Elmar Carvalho Em: 06/09/2013, às 07H26
ELMAR CARVALHO
Dias atrás, não querendo minha mulher ir sozinha, fui com ela buscar um vestido que sua costureira teria terminado. O local do ateliê ficava perto do dique do Poty, no Bairro Mocambinho. Ao chegarmos, foi-nos dito que ainda faltava ser concluído o embainhado. Preparei-me para uma longa espera, e achei melhor ficar do lado de fora, onde estavam uma filha e umas netas da modista.
A temperatura era mais amena do que a de outros locais de Teresina, talvez por causa das casas baixas, da presença do rio, de brejos e da vegetação que havia nos arredores. A noite estava muito bonita, com uma enorme lua cheia prateando as árvores e os telhados do casario. Senti-me afagado por uma brisa muito suave, que mal fazia oscilar as folhas e os ramos. Outrora esse vento suave da boca da noite era chamado de parnaibano. Ainda o chamo assim.
Como a demora se estendesse além do que eu esperara, talvez porque a costureira fosse conterrânea e velha conhecida da Fátima, resolvi ir até o paredão do dique, para melhor contemplar o luar e uma nesga de floresta, que havia nas imediações. Após fixar a lua, em todo o seu esplendor, no céu límpido, despojado de nuvens, em que o satélite pudesse se esconder, espiei-a por entre os ramos de uma árvore, como se estivesse portando uma máquina fotográfica, para lhe tirar uma foto artística. Até senti certa volúpia, como se fosse um voyeur, que pudesse ser flagrado a qualquer momento.
Voltei ao local da oficina, onde me sentei novamente na cadeira, posta sobre a calçada, uma vez que o arremate do vestido ainda não terminara. Ante o inelutável, procurei descobrir algo que fugisse do trivial, como passatempo. Observei os telhados das casas em frente, vendo-as como uma pintura. Não é raro pintores usarem telhados como inspiração para suas telas. Já me imaginara um fotógrafo sem câmara; passei a pintor sem pincéis e sem tinta.
De repente, sobre o telhado da casa em frente, vi um belo gato preto, de patas brancas, como se fossem botas, caminhar felinamente, como se desfilasse, quase levitando, do alto da cumeeira até o beiral. O bichano empreendeu essa marcha de forma firme, decidida, como se tivesse um plano. Ficou por alguns momentos na beira do telhado, a sondar alguma coisa, que apenas ele pressentia. Se eu fosse botafoguense, e não flamenguista, diria que a esse gato só faltava uma estrela solitária, no peito ou na testa.
Após alguns segundos, foi para a parte lateral do telhado, de onde, sem nenhum vacilo ou receio, pulou para a parte superior do muro, de pequena espessura. A seguir, em salto certeiro, exato, como mestre acrobata que o é, lançou-se para a extremidade de uma estaca; daí, com a elegância de sempre, saltou para o chão.
Mas aquela parecia ser a noite dos felinos, e não de lobos, lobisomens ou vampiros, pois logo um velho gato, um tanto gordo e de pelo amarfanhado e sem brilho, cometeu uma acrobacia ainda mais surpreendente, que o seu antecessor, porquanto fez o percurso inverso, atuando dessa forma contra a lei da gravidade, que favorecera seu semelhante alvinegro.
Do chão, saltou até acima da metade da estaca, a partir de onde, em impressionante agilidade e rapidez, escalou-a até o topo, fino e irregular, onde se firmou em perfeito equilíbrio, para imediatamente saltar para cima do estreito muro, de onde pulou para a beira do telhado, que ficava acima mais de metro e meio. Se atentarmos para o tamanho de um gato doméstico, temos de considerar que foi um admirável feito acrobático, que ele fez sem aparente esforço, sem treinamento, sem exercício, como se fosse a coisa mais natural e simples do mundo.
Finalmente, o bendito embainhado terminara, e eu posso pingar um ponto final nesta desembainhada crônica.